Uma equipe internacional de pesquisadores descobriu uma nova forma de estudar os rastros deixados pelos "chuveiros atmosféricos".
© ASPERA (raios cósmicos ultraenergéticos)
O grupo é constituído por 102 cientistas de diversas universidades do mundo, entre eles o docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Luiz Vitor de Souza Filho.
A união desse número expressivo de pesquisadores explica-se pela participação de todos eles em experimentos realizados no Observatório Pierre Auger, instalado aos pés da Cordilheira dos Andes, no Deserto de El Nihuil, na Argentina, e com o objetivo principal de detectar e estudar raios cósmicos ultra-energéticos, partículas que podem alcançar energias cerca de 1.000 vezes maiores do que as obtidas pelos atuais aceleradores de partículas.
Desde sua fundação, o Observatório Pierre Auger trabalha com duas ferramentas distintas para medição dos raios ultra-energéticos: a de "tanques de água", também conhecidos por "detectores de Cherenkov", e a de telescópios de fluorescência. Uma terceira, recém-descoberta, a "técnica de detectores de rádio", vem não para "aposentar" as anteriores, mas sim complementá-las. "Os membros do Observatório buscam, continuamente, o desenvolvimento de técnicas novas que tragam medidas mais precisas e detalhadas para, dessa forma, ampliar as possibilidades do Observatório como um todo", explica Luiz Vitor.
Através da técnica de detectores de rádio, descrita no artigo publicado na Physical Review D, intitulado Probing the radio emission from air showers with polarization measurements, são medidos os rastros deixados pelos "chuveiros atmosféricos" (air shower), cascatas de partículas que atravessam a atmosfera ininterruptamente. Invisível a olho nu, esse chuveiro, que é composto por prótons, elétrons, neutrinos, mésons e diversas outras partículas, atravessa os tanques de água deixando um tipo de "impressão digital", que será analisada pela nova técnica: "No trajeto entre a atmosfera e o solo, as partículas interagem com o hidrogênio presente no ar e emitem um flash luminoso muito fraco, visualizado pelos telescópios, e, ao mesmo tempo, emitem ondas de rádio", detalha Luiz Vitor.
A identificação e medição dessas ondas serão feitas por um conjunto de antenas espalhadas por uma grande área. Através de um sinal sincronizado entre elas, ondas de rádio emitidas pelo chuveiro atmosférico serão identificadas e, posteriormente, medidas.
Por ser largamente difundida para outros usos, a técnica de detectores de rádio não exige um grande desenvolvimento tecnológico para sua adaptação aos propósitos específicos do Observatório e tem um custo muito baixo. E, embora ainda não estejam sendo utilizados no Observatório, os detectores de rádio já estão hospedados no Pierre Auger há cinco anos. "No deserto, onde eles estão instalados, o local é ótimo para realização desses experimentos, pois a poluição de sinais e ruídos advindos de ondas de rádio em geral é quase nula", explica o docente.
O artigo trouxe detalhes sobre a operação dos novos detectores e a explicação e desenvolvimento da técnica de rádio. Por esse motivo, nenhum objetivo de astrofísica é mencionado. "Na literatura, duas teorias explicavam dois efeitos diferentes para emissão de ondas de rádio pelo chuveiro atmosférico: Efeito geomagnético e Efeito Askaryan, mas as evidências nunca haviam sido medidas. Esse, provavelmente, foi motivo pelo qual o artigo ganhou destaque e foi aceito numa importante revista científica da área", conta Luiz Vitor.
O próximo passo para o aprimoramento da pesquisa é o investimento, tanto financeiro quanto intelectual, no projeto. "Embora os resultados tenham sido positivos, a técnica de rádio mostrou algumas falhas, o que não a torna o 'carro-chefe' de uma nova etapa do Observatório. Apesar disso, os resultados são bons o suficiente para que continuemos investindo, mesmo que, paralelamente, outras técnicas também sejam investigadas", afirma Luiz Vitor. "Um dos objetivos do Observatório, inclusive, é se tornar um centro de medidas em astrofísica de partículas, o que reforça a intenção de reunir e estudar outros processos".
Mesmo que num primeiro momento a astrofísica não seja o foco do projeto, a técnica de rádio, apesar de suas limitações, poderá ajudar a trazer explicações que serão utilizadas para o constante melhoramento dos experimentos. Isso permitirá que diversas interrogações sejam finalmente esclarecidas e, consequentemente, possibilitará que a astrofísica avance no seu papel principal de desvendar os inúmeros enigmas de nosso Universo.
Fonte: IFSC/USP