terça-feira, 5 de outubro de 2021

Nobel de Física: Clima e Sistemas Complexos

O prêmio Nobel de Física de 2021 foi concedido para pesquisa de sistemas complexos, especialmente para predição do aquecimento global.

© Johan Jarnestad (ilustração da influência climática na Terra)

A Academia Real das Ciências da Suécia anunciou os ganhadores Syukuro Manabe, da Universidade de Princeton, EUA, Klaus Hasselmann, do Instituto Max Planck para Meteorologia, Alemanha, e Giorgio Parisi, da Universidade de Roma, Itália.

Syukuro Manabe e Klaus Hasselmann estabeleceram a base de nosso conhecimento sobre o clima da Terra e como a humanidade o influencia. Giorgio Parisi é recompensado por suas contribuições revolucionárias à teoria de materiais desordenados e processos aleatórios. 

Os sistemas complexos são caracterizados pela aleatoriedade e desordem e são difíceis de entender. O prêmio deste ano reconhece novos métodos para descrevê-los e prever seu comportamento a longo prazo. Um sistema complexo de vital importância para a humanidade é o clima da Terra. 

Syukuro Manabe demonstrou como o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera leva ao aumento da temperatura na superfície da Terra. Na década de 1960, ele liderou o desenvolvimento de modelos físicos do clima da Terra e foi a primeira pessoa a explorar a interação entre o balanço de radiação e o transporte vertical de massas de ar. Seu trabalho lançou as bases para o desenvolvimento dos modelos climáticos atuais. 

Cerca de dez anos depois, Klaus Hasselmann criou um modelo que liga o tempo e o clima, demonstrando que os modelos climáticos podem ser confiáveis apesar do tempo ser mutável e caótico. Ele também desenvolveu métodos para identificar sinais específicos, impressões digitais, que os fenômenos naturais e as atividades humanas imprimem no clima. Seus métodos têm sido usados para provar que o aumento da temperatura na atmosfera é devido às emissões humanas de dióxido de carbono.

Duzentos anos atrás, o físico francês Joseph Fourier estudou o equilíbrio de energia entre a radiação do Sol em direção ao solo e a radiação emanada do solo. Ele entendeu a função da atmosfera neste equilíbrio; na superfície da Terra, a radiação solar incidente é transformada em radiação de corpo negro que é absorvida pela atmosfera, aquecendo-a. A atmosfera bloqueia esta radiação, caracterizando o efeito estufa. Este nome vem de sua semelhança com o vidro numa estufa, que permitem passar os raios solares, mas retêm o calor no interior, gerando aquecimento. 

No entanto, os processos radioativos na atmosfera são muito mais complicados. A tarefa é investigar o equilíbrio entre a radiação solar de onda curta vinda em direção ao nosso planeta e a radiação infravermelha de onda longa emitida da Terra. Os detalhes foram acrescentados por muitos cientistas do clima nos dois séculos seguintes. Os modelos climáticos contemporâneos são ferramentas incrivelmente poderosas, não só para compreender o clima, mas também para entender o aquecimento global pelo qual os humanos são responsáveis. Estes modelos são baseados nas leis da física e propriedades estatísticas, que foram desenvolvidos para prever o tempo, que é descrito por quantidades meteorológicas, como temperatura, precipitação, vento ou nuvens, e é afetado pelo que acontece nos oceanos e no solo. 

Os estudos modernos de sistemas complexos estão enraizados na mecânica estatística desenvolvida na segunda metade do século 19 por James C. Maxwell, Ludwig Boltzmann e J. Willard Gibbs, que nomeou este campo em 1884. A mecânica estatística evoluiu a partir de um novo tipo de método necessário para descrever sistemas, como gases ou líquidos, que consistem em um grande número de partículas. Este método teve que considerar os movimentos aleatórios das partículas, então a ideia básica era calcular o efeito médio das partículas em vez de estudar cada partícula individualmente. Por exemplo, a temperatura em um gás é uma medida do valor médio da energia das partículas do gás. 

A mecânica estatística fornece uma explicação microscópica para propriedades macroscópicas em gases e líquidos, como temperatura e pressão. As partículas em um gás podem ser consideradas como pequenas bolas se deslocando em velocidades que aumentam com a temperatura. Quando a temperatura cai ou a pressão aumenta, as bolas primeiro se condensam em um líquido e então em um sólido, que geralmente é um cristal. No entanto, se esta mudança acontecer rapidamente, as bolas podem formar um padrão irregular que não mude mesmo se o líquido for resfriado ou comprimido. Se o experimento for repetido, as bolas assumirão um novo padrão, apesar da mudança acontecer exatamente da mesma maneira. Por que os resultados são diferentes?

Por volta de 1980, Giorgio Parisi descobriu padrões ocultos em materiais complexos desordenados. Suas descobertas estão entre as contribuições mais importantes para a teoria dos sistemas complexos, da interação entre desordens e flutuações em sistemas físicos, de escalas atômicas até planetárias. Eles tornam possível compreender e descrever muitos materiais e fenômenos diferentes e aparentemente inteiramente aleatórios, não apenas na física, mas também em outras áreas muito diferentes, como matemática, biologia, neurociência e aprendizado de máquina. 

“As descobertas reconhecidas este ano demonstram que o nosso conhecimento sobre o clima assenta numa base científica sólida, baseada numa análise rigorosa das observações. Todos os laureados deste ano contribuíram para que obtivéssemos uma visão mais profunda das propriedades e da evolução de sistemas físicos complexos”, disse Thors Hans Hansson, presidente do Comitê Nobel de Física.

Fonte: Royal Swedish Academy of Sciences

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Descoberta partícula exótica de longa vida

O experimento LHCb (Large Hadron Collider beauty) no CERN (European Organization for Nuclear Research) apresentou uma nova descoberta na Conferência da Sociedade Física Europeia sobre Física de Altas Energias.

© CERN (tetraquark Tcc+)

A nova partícula descoberta pelo LHCb, rotulada como Tcc+, é um tetraquark, um hádron exótico contendo dois quarks e dois antiquarks. É a partícula de matéria exótica de vida mais longa já descoberta. 

Os quarks são os blocos de construção fundamentais a partir dos quais a matéria é construída. Eles se combinam para formar hádrons, ou seja, bárions, como o próton e o nêutron, que consistem em três quarks, e os mésons, que são formados como pares quark-antiquark. 

Nos últimos anos, vários dos chamados hádrons exóticos, partículas com quatro ou cinco quarks, em vez dos convencionais dois ou três, foram encontrados. A descoberta é de um hádron exótico particularmente único. A nova partícula contém dois quarks charm e um antiquark up e um antiquark down. Vários tetraquarks foram descobertos nos últimos anos (incluindo um com dois quarks charm e dois antiquarks charm), mas este é o primeiro que contém dois quarks charm, sem antiquarks charm para equilibrá-los.

Partículas contendo um quark charm e um antiquark charm têm “charmo culto”, o número quântico charm de toda a partícula é igual a zero. Aqui, o número quântico charm soma dois, portanto, tem o dobro de charm!

O conteúdo quark do Tcc+ possui outras características interessantes além de ser um charm aberto. É a primeira partícula a ser encontrada pertencente a uma classe de tetraquarks com dois quarks pesados e dois antiquarks leves. Estas partículas decaem ao se transformar em um par de mésons, cada um formado por um dos quarks pesados e um dos antiquarks leves.

De acordo com algumas previsões teóricas, a massa dos tetraquarks deste tipo deve ser muito próxima da soma das massas dos dois mésons. Tal proximidade em massa torna o decaimento “difícil”, resultando em uma vida útil mais longa da partícula e, de fato, a partícula Tcc+ é o hádron exótico de vida mais longa encontrado até hoje. 

A descoberta abre caminho para a busca por partículas mais pesadas do mesmo tipo, com um ou dois quarks charm substituídos por quarks bottom. A partícula com dois quarks bottom é especialmente interessante: de acordo com os cálculos, sua massa deveria ser menor que a soma das massas de qualquer par de mésons B. Isto tornaria o decaimento não apenas improvável, mas realmente proibido: a partícula não seria capaz de decair por meio da interação forte e teria que fazê-lo por meio da interação fraca, o que tornaria seu tempo de vida várias ordens de magnitude mais longo do que o de qualquer hádron exótico observado anteriormente. 

O novo tetraquark Tcc+ é um alvo atraente para estudos futuros. As partículas nas quais ele decai são comparativamente fáceis de detectar e, em combinação com a pequena quantidade de energia disponível no decaimento, isto leva a uma excelente precisão em sua massa e permite o estudo dos números quânticos desta partícula fascinante. Isto, por sua vez, pode fornecer um teste rigoroso para modelos teóricos existentes e pode até mesmo permitir que efeitos anteriormente inalcançáveis sejam sondados. 

Fonte: CERN

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Gerando matéria colidindo partículas de luz

Dois experimentos realizados no laboratório Laboratório Nacional de Brookhaven, nos EUA, forneceram evidências definitivas para dois fenômenos da físicas previstos teoricamente há quase oitenta anos.

© Brookhaven National Laboratory (detector STAR do RHIC)

As descobertas foram feitas por meio de uma análise detalhada de mais de 6 mil pares de elétrons e pósitrons produzidos em colisões de partículas no acelerador de partículas Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC). 

Em um primeiro experimento, cientistas provaram que pares de elétrons e pósitrons, partículas de matéria e antimatéria, podem ser criados diretamente pela colisão de fótons muito energéticos. Esta conversão da luz com muita energia em matéria é uma consequência direta da famosa equação E = mc^2 de Einstein, segundo a qual energia e matéria (ou massa) são intermutáveis. Por exemplo, usinas nucleares convertem regularmente matéria em energia. Agora, os cientistas converteram a energia da luz diretamente em matéria em uma única etapa. 

Já o segundo experimento mostrou pela primeira vez que a curvatura do caminho da luz que viaja através de um campo magnético no vácuo depende do modo como a luz é polarizada. Este desvio dependente da polarização, também conhecido como birrefringência, ocorre quando a luz viaja através de certos materiais. O efeito é semelhante à dupla refração dependente do comprimento de onda que divide a luz branca nas demais cores do espectro.

Para a realização de ambos os experimentos, as capacidades do detector STAR do RHIC , o Solenoid Tracker no RHIC, foram essenciais. O equipamento é capaz de medir a distribuição angular das partículas produzidas em colisões de íons numa velocidade próxima à da luz. 

No ano de 1934, os físicos Gregory Breit e John A. Wheeler descreveram a possibilidade hipotética de colidir partículas de luz para criar pares de elétrons e suas contrapartes de antimatéria, conhecidas como pósitrons. Eles já percebiam que isso era quase impossível de fazer. Mas Breit e Wheeler propuseram uma alternativa: acelerar íons pesados. E a alternativa deles é exatamente o que está sendo feito no RHIC.

Um íon de ouro, com 79 prótons, carrega uma poderosa carga positiva. Acelerar este íon a velocidades muito altas gera um poderoso campo magnético. Este gira em torno da partícula em alta velocidade enquanto ela viaja. É como uma corrente fluindo através de um fio. Se a velocidade for alta o suficiente, a força do campo magnético circular pode ser igual à força do campo elétrico perpendicular. E este arranjo de campos consiste no fóton, uma “partícula” quantizada de luz. Então, quando os íons estão se movendo perto da velocidade da luz, há um monte de fótons ao redor do núcleo de ouro. Eles o acompanham como uma nuvem.

No RHIC, os cientistas aceleram os íons de ouro a 99,995% da velocidade da luz em dois anéis aceleradores. Surgem duas nuvens de fótons movendo-se em direções opostas com energia e intensidade suficientes para que, quando os dois íons passem um pelo outro sem colidir, estes campos de fótons possam interagir. 

Os físicos do STAR rastrearam as interações e procuraram os pares elétron-pósitron previstos. Outros cientistas tentaram criar pares elétron-pósitron a partir de colisões de luz usando lasers poderosos, ou seja, feixes focalizados de luz intensa. Mas os fótons individuais dentro destes feixes intensos ainda não têm energia suficiente. 

Anteriormente, um experimento no SLAC National Accelerator Laboratory em 1997 foi bem-sucedido usando um processo não linear. Os cientistas primeiro tiveram que aumentar a energia dos fótons em um feixe de laser, para, em seguida, provocar uma colisão com um poderoso feixe de elétrons. Desta maneira, as colisões dos fótons energizados em um enorme campo eletromagnético criado por laser produziram matéria e antimatéria.

A capacidade do STAR de medir as minúsculas refrações duplas de elétrons e pósitrons, produzidas quase que consecutivamente nestes eventos, também possibilitou que os físicos estudassem como as partículas de luz interagem com os poderosos campos magnéticos gerados pelos íons acelerados. 

“A nuvem de fótons em torno dos íons de ouro em um dos feixes de RHIC dispara na direção do forte campo magnético circular produzido no outro feixe. Observar a distribuição das partículas que saem da nuvem mostra como a luz polarizada interage com o campo magnético. 

Werner Heisenberg e Hans Heinrich Euler, em 1936, e John Toll, na década de 1950, previram que um vácuo do espaço vazio poderia ser polarizado por um poderoso campo magnético. Este vácuo polarizado, então, deveria desviar os caminhos dos fótons dependendo da polarização destes. Toll, em sua tese, também detalhou como a absorção de luz por um campo magnético depende da polarização e de sua conexão com o índice de refração da luz no vácuo. Esta birrefringência foi observada em muitos tipos de cristais. Além disso, um recente relatório registrou a curvatura da luz proveniente de uma estrela de nêutrons. É provável que o fenômeno tenha acontecido devido a interações dessa luz com o campo magnético da estrela. Mas, até o momento, nenhum experimento com base na Terra havia conseguido detectar a ocorrência da birrefringência no vácuo.

No RHIC, os cientistas mediram como a polarização da luz afetava se a luz era “absorvida” pelo campo magnético. Isso é semelhante ao modo como os óculos de sol polarizados bloqueiam a passagem de certos raios se eles não corresponderem à polarização das lentes. No caso dos óculos de sol, além de vermos uma menor quantidade de luz passar, é possível, a princípio, medir um aumento na temperatura do material da lente à medida que ele absorve a energia da luz bloqueada.

No RHIC, a energia luminosa absorvida é o que cria os pares elétron-pósitron. Os produtos produzidos pelas interações fóton-fóton no RHIC, possibilita verificar que a distribuição angular dos produtos depende do ângulo de polarização da luz. Isso indica que a absorção da luz depende de sua polarização. 

Os resultados foram publicados no periódico Physical Review Letters.

Fonte: Scientific American

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Efeito fotoelétrico aplicado em radioterapia

Pesquisadores descobriram que efeito fotoelétrico, explicado por Einstein em 1905, pode potencializar a destruição de tumores via radioterapia.

© U. de Kyoto (moléculas de iodo ajudam a destruir tumores)

A radioterapia é um dos principais tratamentos oncológicos hoje disponíveis. No entanto, ela sofre com um problema de eficácia. Para que a irradiação de raios X possa funcionar, é necessário que haja moléculas de oxigênio. Quando os raios X chegam ao interior da célula, eles induzem reações entre o oxigênio e o DNA que podem danificar o tumor, impedindo seu crescimento e multiplicação. Porém, na região central dos tumores, os níveis de oxigênio são baixos, devido à falta de vasos sanguíneos.

Há anos, cientistas do Instituto de Ciências Integradas de Material Celular da Universidade de Kyoto (iCeMS), junto a colaboradores japoneses e americanos, tentam superar este problema e encontrar maneiras mais diretas e eficazes de tratar o DNA de células de câncer empregando princípios da física quântica.

Em trabalhos anteriores, os pesquisadores mostraram que nanopartículas carregadas de gadolínio podem matar células cancerosas quando irradiadas com 50,25 keV de radiação síncrotron. Para realizar o estudo atual, eles projetaram nanopartículas orgânicas porosas contendo iodo. O iodo é mais barato do que o gadolínio e libera elétrons com níveis menores de energia. 

No experimento, os pesquisadores dispersaram suas nanopartículas sobre estruturas esféricas de tecido que continham células cancerosas. As estruturas esferoides foram depois submetidas à irradiação por raios X com intensidade de 33,2 keV durante 30 minutos. 

O iodo libera elétrons que rompem o DNA do tumor, levando à morte celular. O resultado foi a destruição completa dos tumores em três dias. Após fazerem experimentações sistemáticas nos níveis de energia, eles foram capazes de demonstrar que o efeito ideal de destruição do tumor ocorre com o raio X de 33,2 keV.

A exposição de um metal à luz leva à liberação de elétrons, um fenômeno chamado efeito fotoelétrico. Em 1905, Albert Einstein explicou este fenômeno, onde foi agraciado com o Prêmio Nobel pela descoberta. esta pesquisa fornece evidências que sugerem que é possível reproduzir este efeito dentro das células cancerosas.

Análises posteriores mostraram que as nanopartículas foram absorvidas pelas células tumorais. Com a quantidade certa de energia, o iodo liberou elétrons que causaram quebras na fita dupla no DNA nuclear e, assim provocaram a morte celular.

Este estudo é um exemplo importante de como um fenômeno da física quântica pode ser empregado dentro de uma célula cancerosa. Parece que uma nuvem de elétrons de baixa energia é gerada perto do DNA. Isto causa danos difíceis de serem reparados e leva à morte da célula.

Agora, a equipe buscará entender como os elétrons são liberados dos átomos de iodo após estes serem expostos aos raios X. Além disso, os pesquisadores querem inserir o iodo dentro do DNA, para aumentar a sua eficácia, e testar as nanopartículas em modelos de câncer em ratos. 

As recentes descobertas foram publicadas na revista Scientific Reports.

Fonte: Scientific American

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Revelando novas partículas elementares

Após duas década de espera, que incluíram uma longa batalha para obter financiamento e uma mudança para o outro lado do continente, um experimento sobre múons está prestes a revelar seus resultados.

© Fermilab (experimento Muón g-2)

Estas são partículas semelhantes ao elétron, porém de maior massa e mais instáveis. Os físicos esperam que as mais recentes medidas sobre o magnetismo do múon confirme achados anteriores que podem levar à descoberta de novas partículas.

A divulgação da conclusões do estudo está prevista para o dia 7 de abril. A pesquisa, intitulada experimento Múon g–2, que agora acontece no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), um laboratório especializado em física de partículas de alta energia localizado nos EUA, já havia sido realizado anteriormente entre 1997 e 2001 no Laboratório Nacional de Brookhaven em Long Island, Nova York.

Os resultados originais, anunciados em 2001 e finalizados em 2006, geraram controvérsia entre os físicos. Eles revelaram que o momento magnético do múon, que indica o tamanho do campo magnético gerado, é levemente maior do que o previsto pela teoria. Caso estes resultados sejam confirmado, no anúncio da próxima semana ou em experimentos futuros, eles podem revelar a existência de novas partículas elementares.

O experimento Múon g–2 consegue medir o momento magnético da partícula ao promover sua movimentação em um círculo de 15 metros de diâmetro. Um imã poderoso mantém os múons em sua rota circular, ao mesmo tempo em que causa a rotação de seus polos magnéticos. Quanto maior for o momento magnético da partícula, mais rápido ela irá rodar, como um pião em precessão.

A discrepância em relação à teoria encontrada pelo experimento original era pequena. À primeira vista, a física quântica prevê que partículas elementares, como o múon e o elétron, possuem um momento magnético exatamente igual a 2 (a unidade de medida depende da partícula). No entanto, cálculos mais completos revelam variações deste valor, já que o espaço vazio jamais está completamente vazio. O espaço em volta do múon contém uma diversidade de partículas virtuais, versões efêmeras de partículas reais que aparecem e desaparecem continuamente, algo que altera o campo magnético do múon. 

Desta maneira, quanto maior for a variedades das partículas, maior será o impacto de suas versões virtuais no momento magnético. Isto significa que uma medição de alta precisão pode revelar evidências indiretas da existência de novas partículas, anteriormente desconhecidas aos cientistas. 

O momento magnético obtido é apenas levemente diferente de 2. Esta diferença é o que chamada g–2 . Em Brookhaven, os físicos descobriram que g–2 é igual a 0.0023318319. À época, este valor era maior do que a estimativa da contribuição das partículas virtuais conhecidas. A precisão da medição não era alta o suficiente para permitir que se afirmasse, com confiança, que a discrepância era real. Os resultados também vieram em um momento em que o campo parecia pronto para um período de descobertas explosivas.

O Grande Colisor de Hádrons (LHC) estava em construção na fronteira entre a Suíça e a França, e os teóricos acreditavam que ele descobriria um grande número de novas partículas. Mas, além da histórica descoberta do bóson de Higgs em 2012, o LHC não encontrou nenhuma outra partícula elementar. Além disso, seus dados descartaram muitos candidatos potenciais para partículas virtuais que poderiam ter inflado o momento magnético do múon. O LHC, no entanto, não descartou todas as explicações possíveis para a discrepância. Dentre estas explicações, está a de que não exista apenas um tipo de bósons de Higgs, e sim pelo menos dois.

Na ocasião do experimento de Brookhaven, o valor experimental para o momento magnético do múon teve que ser comparado com as previsões teóricas que vieram com incertezas relativamente grandes. Mas enquanto a melhor medição experimental de g–2 não mudou em 15 anos, a teoria evoluiu. 

No ano passado, uma grande colaboração, reuniu várias equipes de pesquisadores, cada um especializado em um tipo de partícula virtual, e publicou um valor de “consenso” para a constante fundamental. A discrepância entre os valores teóricos e experimentais não mudou. Também no ano passado, uma equipe chamada Colaboração Budapest-Marseille-Wuppertal sugeria um valor teórico para g-2 mais próximo do experimental. Ela se concentrou em uma fonte de incerteza na teoria, proveniente de versões virtuais de glúons, partículas transmissoras de força nuclear forte. Se seus resultados estiverem corretos, a lacuna entre a teoria e o experimento pode acabar não existindo. 

Os resultados podem não resolver a questão ainda. Graças a atualizações no aparelho, a equipe espera melhorar a precisão do g-2 em quatro vezes, em comparação com o experimento de Brookhaven. Mas, até agora, analisou apenas um ano dos dados coletados desde 2017, não o suficiente para que a margem de erro seja mais estreita. Ainda assim, se a medição for muito parecida com a original, a confiança neste resultado vai melhorar. Se o Fermilab finalmente confirmar a surpresa de Brookhaven, a comunidade científica provavelmente exigirá outra confirmação independente. Isso poderia vir de uma técnica desenvolvida no Complexo de Pesquisa do Acelerador de Prótons do Japão (J-PARC), que mede o momento magnético do múon de modo radicalmente diferente.

Fonte: Scientific American

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Partículas fundamentais ainda desconhecidas

Um experimento revelou um inesperado comportamento quântico em um material isolante, e pode indicar a existência de uma nova classe de partículas ainda desconhecida.

© Princeton University (isolador de ditelureto de tungstênio)

O fenômeno quântico em questão é conhecido como oscilação quântica, e foi observado em um corpo isolador feito de um material chamado de ditelureto de tungstênio. A teoria quântica atualmente aceita diz que materiais isoladores não poderiam apresentar nenhuma forma de comportamento quântico. Em geral, esta oscilação pode ser observada em metais.

“Se nossas interpretações estiverem corretas, estamos vendo uma forma fundamentalmente nova de matéria quântica,” diz Sanfeng Wu, professor assistente de física na Universidade Princeton. “Estamos agora ponderando que pode existir um mundo quântico inteiramente novo, escondido nos isoladores. É possível que tenhamos deixado de notar isso durante as últimas décadas.” 

Durante muito tempo, a possibilidade de observar oscilações quânticas foi considerada como uma característica que distinguia metais e isoladores. Nos metais, os elétrons apresentam elevada mobilidade, e a resistividade do material, isto é, a resistência à corrente elétrica, é fraca. Quase um século atrás, os pesquisadores observaram que a combinação de baixas temperaturas com um campo magnético pode fazer com que os elétrons passem de um estado “clássico” para um estado quântico, causando oscilações na resistividade do metal. 

Já nos corpos capazes de agir como isoladores os elétrons não conseguem se deslocar, pois os materiais de que são feitos possuem uma resistividade muito alta. As experiências sugeriam que não era possível ocorrer oscilações quânticas neles, não importando a intensidade de campo magnético aplicado. 

A descoberta foi feita quando os pesquisadores estudavam o material ditelureto de tungstênio, que eles manipularam de modo a formar um corpo bidimensional. O material foi preparado utilizando-se uma fita adesiva padrão de forma a conseguir raspar cada vez mais o objeto, buscando moldar o que é chamado de monocamada, que nada mais é do que uma camada única e muito fina, feita de átomos. 

Os pesquisadores constataram que quando o ditelureto de tungstênio é manipulado para um formato um pouco mais espesso, ele se comporta como um metal. Mas, assim que é reduzido a uma monocamada, ele apresenta uma poderosa capacidade de agir como isolante. 

Os pesquisadores então começaram a medir a resistividade da monocamada de ditelureto de tungstênio sob campos magnéticos. E se surpreenderam ao constatar que a resistividade do isolador, apesar de muito grande, começou a oscilar quando o campo magnético aumentava, indicando a mudança para o estado quântico, ou seja, o material, um isolador muito poderoso, passou a exibir a propriedade quântica mais característica de um metal.

Atualmente não existem teorias para explicar esse fenômeno. Wu e seus colegas apresentaram uma hipótese provocativa. Eles sugerem que o experimento fez com que os elétrons se organizassem, e destas interações estariam surgindo novas partículas, que nomearam como “férmions neutros”, por não possuírem carga elétrica. Seriam estas partículas as responsáveis por criar esse efeito quântico altamente notável. 

Férmion é o nome dado a uma categoria de partículas na qual estão incluídos os elétrons. Nos materiais com propriedades quânticas, os férmions podem ser tanto elétrons, dotados de carga negativa, ou “buracos” dotados de carga positiva responsáveis pela condução da corrente elétrica. Isto é, quando o material é um isolador elétrico, estes férmions carregados não conseguem se mover livremente. 

Entretanto, partículas que sejam neutras poderiam teoricamente existir em um isolador e se deslocar através dele. Os resultados experimentais conflitam com todas as teorias atuais que se baseiam na existência de férmions dotados de carga, mas poderiam ser explicados pela presença de férmions sem carga. 

A equipe de Princeton planeja novas investigações sobre as propriedades quânticas do ditelureto de tungstênio. Eles estão interessados especialmente em determinar se a hipotética existência de uma nova partícula é válida.

A descoberta foi apresentada na revista Nature.

Fonte: Scientific American