terça-feira, 11 de junho de 2019

Salvando o gato de Schrödinger

O famoso paradoxo gato de Schrödinger foi elaborado como um símbolo da possibilidade de sobreposição de estados e da imprevisibilidade que são característicos do mundo quântico.
© Kat Stockton (gato de Schrödinger)

Uma equipe de pesquisadores diz ter descoberto um modo de capturar e salvar o famoso animal, antecipando seus saltos e agindo na hora exata para salvá-lo da tragédia. No processo, eles poderiam derrubar um dos mais antigos fundamentos da física quântica.

A descoberta, feita por um time de físicos da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, permite criar um sistema que avisa antecipadamente da iminência de um salto quântico em átomos artificiais contendo informação quântica.

O gato de Schrödinger é um famoso paradoxo usado para ilustrar o conceito de sobreposição, ou seja, a possibilidade de dois estados opostos existirem simultaneamente, e a imprevisibilidade na física quântica. A ideia é que um gato é colocado em uma caixa selada, com uma fonte radioativa e um veneno que será ativado se ocorrer o decaimento em algum átomo da substância radioativa.

A teoria da sobreposição da física quântica sugere que, até que alguém abra a caixa, o gato está ao mesmo tempo vivo e morto, numa espécie de sobreposição desses estados. O ato de abrir a caixa para observar o gato causaria uma mudança abrupta e aleatória em seu estado quântico, forçando-o a estar vivo ou morto.

Um salto quântico é a mudança aleatória e discreta (não-contínua) no estado que ocorre a partir do ato da observação.

O experimento, realizado no laboratório da Universidade de Yale pelo professor Michel Devoret e proposto pelo autor principal do artigo, Zlatko Minev, permite pela primeira vez espiar o mecanismo do salto quântico. Os resultados revelam uma descoberta surpreendente que contradiz a visão consagrada, estabelecida pelo físico dinamarquês Niels Bohr: a de que os saltos quânticos não são nem abruptos nem tão aleatórios como se pensava anteriormente.

Para um objeto tão pequeno como um elétron, uma molécula, ou um átomo artificial contendo informação quântica, chamada de “qubit”, um salto atômico é a transição repentina de um de seus estados de energia para outro. Nos computadores quânticos, ainda em desenvolvimento, pesquisadores precisam lidar com os saltos dos qubits, que são manifestações de erros de cálculos.
Os enigmáticos saltos quânticos foram teorizados por Bohr há mais de um século, mas não foram observados em átomos até os anos 1980.

“Esses saltos ocorrem todas as vezes que medimos um qubit”, explica Devoret. “Os saltos quânticos são conhecidos por serem imprevisíveis a longo prazo”. Apesar disso, adiciona Minev, “queríamos sabemos se seria possível conseguir um sinal de aviso prévio que um salto está prestes a ocorrer”. Minev conta que o experimento foi inspirado por uma previsão teórica de Howard Carmichael, da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, um pioneiro na trajetória da teoria quântica e um dos co-autores do estudo.

Além de seus impactos fundamentais, os resultados possivelmente trarão um avanço enorme no entendimento e no controle da informação quântica. Pesquisadores dizem que administrar com segurança a informação quântica e corrigir os erros quando eles ocorrem são os desafios principais no desenvolvimento de computadores quânticos totalmente eficientes.

A equipe de Yale usou uma abordagem especial para observar, indiretamente, um átomo artificial supercondutor, recorrendo a três geradores de microondas que irradiavam o átomo que estava aprisionado em uma cavidade tridimensional feita de alumínio.  O método de monitoramento duplamente indireto, que Minev criou para circuitos supercondutores, permite aos pesquisadores observarem o átomo com uma eficácia nunca antes vista.

A radiação em comprimento de micro-ondas agita o átomo artificial, enquanto ele é observado simultaneamente, o que resulta em saltos quânticos. O minúsculo indicativo quântico da ocorrência desses saltos pode ser amplificado sem perda de temperatura para a sala. Isso permite que o sinal seja monitorado em tempo real. Esse arranjo permitiu que os pesquisadores vissem uma repentina ausência de fótons de detecção (fótons emitidos por uma estado auxiliar do átomo quando agitado pelas micro-ondas); essa pequena queda nos fótons é o aviso prévio de que um salto quântico vai ocorrer.

“Esse belo efeito que o experimento revelou é o aumento da coerência durante o salto, apesar da observação”, diz Devoret. Minev adiciona: “Podemos usar isso não apenas para capturar o salto, mas também para revertê-lo.”

Esse é um ponto crucial, segundo os pesquisadores. Enquanto saltos quânticos aparecem pontualmente e aleatoriamente a longo prazo, reverter um salto quântico significa que a evolução do estado quântico possui, pelo menos em parte, um caráter determinista e não aleatório; o salto sempre ocorre da mesma maneira previsível a partir de seu início aleatório.

“Os saltos quânticos de um átomo são, de certa forma, análogos à erupção de um vulcão”, explica Minev. “Eles são completamente imprevisíveis a longo termo. Porém, com o monitoramento correto, podemos detectar o aviso prévio de um desastre iminente e agir sobre ele antes que ocorra.”

O estudo em questão foi publicado na revista Nature.

Fonte: Yale University

domingo, 2 de junho de 2019

Observação da radiação Hawking

Físicos do Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) confirmaram as previsões de uma teoria de Stephen Hawking sobre buracos negros, utilizando um análogo construído em laboratório.


© Revista Física (ilustração de um buraco negro)

Ao tentar aplicar as leis físicas que regem o calor nos buracos negros, o físico Stephen Hawking percebeu que estes objetos devem emitir radiação de suas superfícies, chamada Radiação Hawking. O mecanismo concatena a mecânica quântica com a gravidade.

Stephen Hawking apresentou sua teoria em 1974, depois de analisar o trabalho de outro físico, Jacob Bekenstein, da Universidade de Princeton. Para Bekenstein, a entropia de um buraco negro, ou seja, o caos de um sistema relativo ao seu volume, pressão, temperatura e energia, era proporcional à área de seu horizonte de eventos, ponto-limite do qual não é mais possível escapar desta região do espaço.

A entropia de um buraco negro é dada pela equação de Bekenstein-Hawking: S=k.A/4.lP2 , onde A é a área, k é a constante de Boltzmann e lP é o comprimento de Planck que é expreso por lP=G.h/2π.c3)1/2  , sendo h a constante de Planck, G a constante gravitacional e c a velocidade da luz.

Infelizmente, ainda não é posível se aproximar o suficiente de um buraco negro para provar ou refutar a teoria. Assim, os físicos testaram um buraco negro análogo de laboratório.

Os pesquisadores construíram tal análogo de buraco negro usando um material quântico chamado de condensado de Bose-Einstein. Neste condensado de Bose-Einstein, o horizonte de eventos do buraco negro artificial representa o ponto sem retorno para o som, ao invés da luz.

Os cientistas criaram um condensado de Bose-Einstein capturando 8.000 átomos de rubídio em um feixe de laser. Os condensados ​​de Bose-Einstein são sistemas de átomos ultrafrios, onde estranhos fenômenos quânticos se tornam visíveis em escalas maiores.

Os pesquisadores em seguida utilizaram um segundo laser para aumentar a energia potencial de apenas um lado do condensado de Bose-Einstein, tornando-o mais denso naquele lado. Uma transição brusca (como um horizonte de eventos) separa a área mais densa (fora do buraco negro) da área menos densa (dentro do buraco negro).

Do ponto de vista dos cientistas, ao olhar para o experimento, parece que todos os átomos de rubídio estão se movendo. Fora do buraco negro, na região mais densa, a velocidade do som é mais rápida do que a velocidade deste fluxo, de modo que as ondas sonoras podem se mover em qualquer direção. Na região menos densa, dentro do buraco negro, a velocidade do som é mais lenta, então as ondas sonoras apenas se afastam da transição brusca e penetram no buraco negro.

Esta experiência imita uma das características mais importantes de um buraco negro: fora do objeto, a luz pode se afastar dele ou entrar nele. Mas, uma vez dentro, não pode escapar. O análogo de laboratório substitui a luz pelo som, e os pesquisadores podem medir as ondas sonoras dentro e fora de seu “horizonte de eventos”. O sinal da radiação Hawking é uma correlação entre estes dois tipos de ondas.

Isto foi suficiente para extrair informações importantes sobre a radiação, ou seja, que ela tem um espectro térmico com uma temperatura determinada pelo que seria o análogo da gravidade neste sistema artificial.

Isto significa que o buraco negro artificial emitiu um espectro contínuo de comprimentos de onda, em vez de comprimentos de onda preferidos. Estas observações e as temperaturas estavam de acordo com o que foi previsto na teoria de Hawking.

Segundo o principal autor do estudo, o físico Jeff Steinhauer, isso mostra que “os cálculos de Hawking estavam corretos”. Contudo, provavelmente são um efeito real que acontece nestes tipos de sistemas.

Esta pesquisa é mais um exemplo da utilização de análogos para estudarmos fenômenos físicos impossíveis de serem observados. Eles servem como uma verificação importante das teorias que orientam nossa compreensão de coisas inacessíveis.

Agora, os pesquisadores esperam refazer repetidamente o experimento, a fim de determinar como a radiação Hawking muda com o tempo.

Quem sabe um dia possamos medir essas propriedades em buracos negros reais.

Fonte: Nature