terça-feira, 4 de outubro de 2022

O poder do emaranhamento quântico

Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger conduziram experimentos inovadores usando estados quânticos emaranhados, onde duas partículas se comportam como uma única unidade, mesmo quando separadas.

© J. Jarnestad (ilustração de um emaranhamento quântico)

Alain Aspect nasceu em 1947 em Agen, na França. Em 1983, terminou seu doutorado na universidade francesa Paris-Sud. Atualmente, ele é professor na Universidade Paris-Saclay e na Escola Politécnica, ambas também na França. John F. Clauser nasceu em 1942 em Pasadena, Califórnia, EUA. Seu doutorado foi cursado na Universidade Columbia, em Nova York. Agora, ele atua como pesquisador de física na J. F. Clauser e Associados. Anton Zeilinger nasceu em 1945 na Áustria. Ele estudou o doutorado na Universidade de Viena, onde atualmente atua como professor acadêmico.

Seus resultados abriram caminho para novas tecnologias baseadas em informações quânticas. Os efeitos inefáveis da mecânica quântica estão começando a encontrar aplicações. Existe agora um grande campo de pesquisa que inclui computadores quânticos, redes quânticas e comunicação criptografada quântica segura. 

Um fator preponderante neste desenvolvimento é como a mecânica quântica permite que duas ou mais partículas existam no que é chamado de estado emaranhado. O que acontece com uma das partículas em um par emaranhado determina o que acontece com a outra partícula, mesmo que estejam distantes. O físico Erwin Schrödinger disse que o emaranhamento era a característica mais importante da mecânica quântica.

A física quântica é a área dedicada aos estudos de minúsculas partículas que formam o Universo e as interações que ocorrem entre elas. Uma comparação do estado emaranhado entre partículas seria com uma máquina que lança bolas brancas e pretas em direções opostas. Um indivíduo que está em um dos lados recebe uma bola branca e, então, conclui que a bola da posição oposta foi preta. Quando esta situação é analisada pelo aspecto da física quântica, a explicação se torna um tanto mais complexa. As bolas seriam as partículas e estariam em um par emaranhado porque, quando alguém recebe uma delas, já pode determinar qual o estado (cor) da outra. No entanto, para a física quântica, a propriedade destas bolas antes de lançadas seria, na realidade, cinza. É só quando uma das pessoas percebe que a bola recebida é preta que a cor da outra se modificaria, tornando-se branca.

Por muito tempo, a questão era se a correlação era porque as partículas em um par emaranhado continham variáveis ocultas, instruções que lhes diziam qual resultado deveriam dar em um experimento. Na década de 1960, John Stewart Bell desenvolveu a desigualdade matemática que leva seu nome. Isto afirma que, se houver variáveis ​​ocultas, a correlação entre os resultados de um grande número de medições nunca excederá um determinado valor. No entanto, a mecânica quântica prevê que um certo tipo de experimento violará a desigualdade de Bell, resultando em uma correlação mais forte do que seria possível. 

John Clauser desenvolveu as ideias de John Bell, levando a um experimento prático. Quando ele fez as medições, elas apoiaram a mecânica quântica violando claramente uma desigualdade de Bell. Isto significa que a mecânica quântica não pode ser substituída por uma teoria que usa variáveis ​​ocultas. 

Algumas brechas permaneceram após o experimento de John Clauser. Alain Aspect desenvolveu a configuração, usando-a de uma forma que fechou uma brecha importante. Ele foi capaz de mudar as configurações de medição depois que um par emaranhado deixou sua fonte, de modo que a configuração que existia quando eles foram emitidos não poderia afetar o resultado. 

Usando ferramentas refinadas e uma longa série de experimentos, Anton Zeilinger começou a usar estados quânticos emaranhados. Entre outras coisas, seu grupo de pesquisa demonstrou um fenômeno chamado teletransporte quântico, que possibilita mover um estado quântico de uma partícula para outra à distância.

Estados quânticos emaranhados têm potencial para novas formas de armazenamento, transferência e processamento de informações.

Coisas interessantes acontecem se as partículas em um par emaranhado viajam em direções opostas e uma delas encontra uma terceira partícula de tal maneira que elas ficam emaranhadas. Então, elas entram em um novo estado compartilhado. A terceira partícula perde sua identidade, mas suas propriedades originais agora foram transferidas para a partícula do par original. Esta maneira de transferir um estado quântico desconhecido de uma partícula para outra é chamada de teletransporte quântico. Este tipo de experimento foi realizado pela primeira vez em 1997 por Anton Zeilinger e seus colegas.

Notavelmente, o teletransporte quântico é a única maneira de transferir informações quânticas de um sistema para outro sem perder nenhuma parte dele. É absolutamente impossível medir todas as propriedades de um sistema quântico e depois enviar a informação para um destinatário que queira reconstruir o sistema. Isto ocorre porque um sistema quântico pode conter várias versões de cada propriedade simultaneamente, onde cada versão tem uma certa probabilidade de aparecer durante uma medição. Assim que a medição é realizada, apenas uma versão permanece, ou seja, aquela que foi lida pelo instrumento de medição. As outras desapareceram e é impossível saber alguma coisa sobre elas. No entanto, propriedades quânticas totalmente desconhecidas podem ser transferidas usando o teletransporte quântico e aparecem intactas em outra partícula, mas ao preço de serem destruídas na partícula original.

Uma vez que isso foi demonstrado experimentalmente, o próximo passo foi usar dois pares de partículas emaranhadas. Se uma partícula de cada par for reunida de uma maneira particular, as partículas não perturbadas em cada par podem ficar emaranhadas, apesar de nunca terem estado em contato umas com as outras. Esta troca de emaranhamento foi demonstrada pela primeira vez em 1998 pelo grupo de pesquisa de Anton Zeilinger.

Pares de fótons emaranhados, partículas de luz, podem ser enviados em direções opostas através de fibras ópticas e funcionar como sinais em uma rede quântica. O emaranhamento entre dois pares torna possível estender as distâncias entre os nós em tal rede. Existe um limite para a distância que os fótons podem ser enviados através de uma fibra óptica antes de serem absorvidos ou perderem suas propriedades. Sinais de luz comuns podem ser amplificados ao longo do caminho, mas isso não funciona com pares emaranhados. Um amplificador tem que capturar e medir a luz, o que quebra o emaranhamento. No entanto, a troca de emaranhamento significa que é possível enviar o estado original ainda mais, transferindo-o por distâncias maiores do que seria possível.

Os estados quânticos emaranhados já foram demonstrados entre fótons que foram enviados através de dezenas de quilômetros de fibra óptica e entre um satélite e uma estação no solo. Em pouco tempo, pesquisadores de todo o mundo descobriram muitas novas maneiras de utilizar a propriedade mais poderosa da mecânica quântica.

A primeira revolução quântica nos forneceu transistores e lasers, mas agora estamos entrando em uma nova era graças às ferramentas contemporâneas para manipular sistemas de partículas emaranhadas.

Fonte: Royal Swedish Academy of Science

sábado, 20 de agosto de 2022

O próton contém um quark charm?

A descrição num livro didático sobre um próton diz que ele contém três partículas menores, dois quarks up e um quark down, mas uma nova análise encontrou fortes evidências de que ele também contém um quark charm.

© CERN (ilustração de um próton)

O próton, uma partícula encontrada no coração de cada átomo, parece ter uma estrutura mais complicada do que a tradicionalmente apresentada nos livros didáticos. A descoberta pode ter ramificações para experimentos de física de partículas sensíveis, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC). 

Enquanto os prótons já foram considerados indivisíveis, experimentos com aceleradores de partículas na década de 1960 revelaram que eles continham três partículas menores, chamadas quarks. Os quarks possuem seis tipos, ou sabores: up, down, top, bottom, charm e strange. Eles geralmente se combinam em grupos de dois e três para formar hádrons, como os prótons e nêutrons que compõem os núcleos atômicos. Uma partícula subatômica composta por um quark e um antiquark de carga de cor oposta formam os mésons. Mais raramente, no entanto, eles também podem se combinar em partículas de quatro (tetraquarks) e cinco quarks (pentaquarks). Estes hádrons exóticos foram previstos por teóricos ao mesmo tempo que os hádrons convencionais, cerca de seis décadas atrás, mas apenas recentemente, nos últimos 20 anos, eles foram observados pelo LHCb e outros experimentos.

A colaboração internacional do LHCb observou, no mês passado, três partículas em decaimentos de mésons B nunca antes vistas: um novo tipo de pentaquark e o primeiro par de tetraquarks, que inclui um novo tipo de tetraquark. As descobertas, apresentadas num seminário do European Organization for Nuclear Research (CERN), adicionam três novos membros exóticos à crescente lista de novos hádrons encontrados no LHC. Eles ajudarão os físicos a entender melhor como os quarks se unem nestas partículas compostas.

Na mecânica quântica, a estrutura de uma partícula é governada por probabilidades, o que significa que teoricamente há uma chance de que outros quarks possam surgir dentro do próton na forma de pares matéria-antimatéria. Um experimento da European Muon Collaboration no CERN em 1980 sugeriu que o próton poderia conter um quark charm e seu equivalente de antimatéria, um anticharm, mas os resultados foram inconclusivos e muito debatidos. Houve outras tentativas de identificar o componente de charme do próton, mas diferentes grupos encontraram resultados conflitantes e tiveram dificuldade em separar os blocos de construção intrínsecos de um próton do ambiente de alta energia dos aceleradores de partículas, onde todo tipo de quark é criado e destruído em rápida sucessão.

Agora, Juan Rojo, da Vrije University Amsterdam, na Holanda, e seus colegas encontraram evidências de que uma pequena parte do momento do próton, cerca de 0,5%, vem do quark charm.

Para isolar o componente do quark charm, Rojo e sua equipe usaram um modelo de aprendizado de máquina para criar estruturas hipotéticas de prótons consistindo em todos os diferentes tipos de quarks e depois as compararam com mais de 500.000 colisões do mundo real de décadas de experimentos com aceleradores de partículas, incluindo no LHC. 

Os pesquisadores descobriram que, se o próton não contiver um par de quarks charm-anticharm, há apenas 0,3% de chance de ver os resultados que examinaram. Este resultado significa 3-sigma, que normalmente é visto como um sinal potencial de algo interessante. Mais trabalho é necessário para aumentar os resultados para o nível de 5-sigma, o que significa cerca de 1 em 3,5 milhões de chance de um resultado por acaso, que é tradicionalmente o limite para uma descoberta.

A equipe analisou os resultados recentes do experimento LHCb Z-boson e modelou a distribuição estatística do momento do próton com e sem um quark charm. Eles descobriram que o modelo combinava melhor com os resultados se o próton fosse assumido como tendo um quark charm. Isso significa que eles estão mais confiantes em propor a presença de um quark charm do que o nível sigma por si só sugere. 

Dada a onipresença desta partícula e há quanto tempo a conhecemos, ainda há muito que não entendemos sobre sua subestrutura. O observatório de neutrinos IceCube na Antártida, que procura neutrinos raros produzidos quando raios cósmicos atingem partículas na atmosfera da Terra, também pode precisar levar em conta esta nova estrutura. A probabilidade de um raio cósmico impactar um núcleo atmosférico e produzir neutrinos é bastante sensível a presença de um quark charm do próton.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: New Scientist