sábado, 3 de junho de 2023

Um raro decaimento do bóson de Higgs

A descoberta do bóson de Higgs no Large Hadron Collider (LHC) do CERN em 2012 marcou um marco significativo na física de partículas.


© V. H. Visions (decaimento do bóson de Higgs)

Desde então, as colaborações ATLAS e CMS têm investigado diligentemente as propriedades desta partícula única e buscado estabelecer as diferentes maneiras pelas quais ela é produzida e se decompõe em outras partículas. 

Na conferência Large Hadron Collider Physics (LHCP), ATLAS e CMS relatam como se uniram para encontrar a primeira evidência do raro processo no qual o bóson de Higgs decai em um bóson Z, o portador eletricamente neutro da força fraca, e um fóton, o portador da força eletromagnética. Este decaimento do bóson de Higgs pode fornecer evidências indiretas da existência de partículas além daquelas previstas pelo Modelo Padrão da física de partículas. 

O decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton é semelhante ao decaimento em dois fótons. Nestes processos, o bóson de Higgs não decai diretamente nestes pares de partículas. Em vez disso, os decaimentos ocorrem por meio de um "loop" intermediário de partículas "virtuais" que surgem e desaparecem e não podem ser detectadas diretamente. Estas partículas virtuais podem incluir partículas novas, ainda não descobertas, que interagem com o bóson de Higgs. 

O Modelo Padrão prevê que, se o bóson de Higgs tiver uma massa de cerca de 125 bilhões de elétron-volts, aproximadamente 0,15% dos bósons de Higgs decairão em um bóson Z e um fóton. Mas algumas teorias que estendem o Modelo Padrão preveem uma taxa de decaimento diferente. Medir a taxa de decaimento, portanto, fornece informações valiosas sobre a física além do Modelo Padrão e a natureza do bóson de Higgs. 

Anteriormente, usando dados de colisões próton-próton no LHC, o ATLAS e o CMS conduziram independentemente extensas pesquisas para o decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton. Ambas as buscas usaram estratégias semelhantes, identificando o bóson Z por meio de seus decaimentos em pares de elétrons ou múons (versões mais pesadas de elétrons). Estes decaimentos do bóson Z ocorrem em cerca de 6,6% dos casos.

Nestas buscas, os eventos de colisão associados a este decaimento do bóson de Higgs (o sinal) seriam identificados como um pico estreito, sobre um fundo suave de eventos, na distribuição da massa combinada dos produtos de decaimento. Para aumentar a sensibilidade ao decaimento, o ATLAS e o CMS exploraram os modos mais frequentes em que o bóson de Higgs é produzido e categorizaram os eventos com base nas características destes processos de produção. Foram também usadas técnicas avançadas de aprendizado de máquina para distinguir ainda mais entre eventos de sinal e de fundo. 

Em um novo estudo, o ATLAS e o CMS uniram forças para maximizar o resultado de suas buscas. Ao combinar os conjuntos de dados coletados por ambos os experimentos durante a segunda execução do LHC, que ocorreu entre 2015 e 2018, as colaborações aumentaram significativamente a precisão estatística e o alcance de suas pesquisas. Este esforço colaborativo resultou na primeira evidência do decaimento do bóson de Higgs em um bóson Z e um fóton. O resultado tem uma significância estatística de 3,4 desvios padrão, abaixo do requisito convencional de 5 desvios padrão para reivindicar uma observação. A taxa de sinal medida é 1,9 desvios padrão acima da previsão do Modelo Padrão.

Cada partícula tem uma relação especial com o bóson de Higgs, tornando a busca por raros decaimentos de Higgs uma alta prioridade. A existência de novas partículas pode ter efeitos muito significativos nos raros modos de decaimento do Higgs. Este estudo é um teste poderoso do Modelo Padrão. Com a terceira execução em curso do LHC e o futuro LHC de alta luminosidade, será possível melhorar a precisão deste teste e sondar decaimentos de Higgs cada vez mais raros.

Fonte: CERN

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Ouvindo o "timbre" dos buracos negros

A teoria da relatividade geral de Albert Einstein descreve a forma como o tecido do espaço-tempo, é curvado em resposta à massa.

© Y. Steele (ilustração do espaço-tempo de um buraco negro)

A imagem mostra o remanescente da fusão de um buraco negro binário que está emitindo as suas últimas ondas gravitacionais antes de assentar. As ondas gravitacionais previstas pela relatividade geral são representadas pelas espirais azuis que se afastam do buraco negro. Os desvios da relatividade geral podem aparecer como deformações das ondas gravitacionais e são representados pelas espirais vermelhas.

O nosso Sol, por exemplo, deforma o espaço à nossa volta de tal forma que o planeta Terra orbita o Sol como uma bola de gude atirado para um funil (a Terra não cai para o Sol devido ao impulso lateral do planeta). 

A teoria, que foi revolucionária no momento em que foi proposta em 1915, reformulou a gravidade como uma curvatura do espaço-tempo. Por muito fundamental que esta teoria seja para a própria natureza do espaço à nossa volta, isso pode não ser o fim da história. Em vez disso, as teorias quânticas da gravidade, que tentam unificar a relatividade geral com a física quântica, contêm segredos sobre o funcionamento do nosso Universo a níveis mais profundos. 

Um dos locais onde se podem procurar assinaturas quânticas de gravidade é nas poderosas colisões entre buracos negros, onde a gravidade atinge o seu ponto mais extremo. Os buracos negros são os objetos mais densos do Universo, onde a sua gravidade é tão forte que espremem os objetos que neles caem como se fossem espaguete. 

Quando dois buracos negros colidem e se fundem num corpo maior, perturbam o espaço-tempo ao redor, enviando ondas gravitacionais em todas as direções. O LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) tem detectado regularmente ondas gravitacionais geradas por fusões de buracos negros desde 2015 (os seus observatórios parceiros, Virgo e KAGRA, juntaram-se à caça em 2017 e 2020, respetivamente). 

No entanto, até agora, a teoria da relatividade geral tem passado teste após teste, sem sinais de ruptura. Agora, dois novos artigos científicos liderados pelo Caltech (California Institute of Technology), publicados nos periódicos Physical Review X e Physical Review Letters, descrevem novos métodos para submeter a relatividade geral a testes ainda mais rigorosos.

Observando mais de perto as estruturas dos buracos negros e as ondulações no espaço-tempo que produzem, os cientistas procuram sinais de pequenos desvios da relatividade geral que indiciem a presença de gravitação quântica. Quando dois buracos negros se fundem para produzir um buraco negro maior, o buraco negro final gera um sinal sonoro.

A qualidade do seu timbre, pode ser diferente das previsões da relatividade geral se certas teorias da gravitação quântica estiverem corretas. Estes métodos foram concebidos para procurar diferenças na qualidade desta fase de descida do zumbido, como os harmônicos e os sobretons. 

O primeiro artigo, publicado na revista Physical Review X, apresenta uma nova equação para descrever o "timbre" dos buracos negros no âmbito de certas teorias quânticas da gravidade. O trabalho baseia-se numa equação inovadora desenvolvida há 50 anos por Saul Teukolsky, professor de astrofísica teórica no Caltech. Teukolsky tinha desenvolvido uma equação completa para compreender melhor a forma como as ondulações da geometria do espaço-tempo se propagam à volta dos buracos negros. Em contraste com os métodos numéricos da relatividade, em que são necessários supercomputadores para resolver simultaneamente muitas equações diferenciais da relatividade geral, a equação de Teukolsky é muito mais simples de utilizar e fornece uma visão física direta do problema. 

Se alguém quiser resolver todas as equações de Einstein da fusão de um buraco negro para a simular com precisão, tem de recorrer a supercomputadores. Os métodos numéricos da relatividade são extremamente importantes para simular com exatidão as fusões de buracos negros e constituem uma base crucial para a interpretação dos dados do LIGO. Mas é extremamente difícil para os físicos extrair intuições diretamente dos resultados numéricos. A equação de Teukolsky fornece uma visão intuitiva do que se está passando na fase de descida do zumbido. Esta equação permite modelar e compreender as ondas gravitacionais que se propagam à volta dos buracos negros, que são mais exóticas do que Einstein previu.

O segundo artigo, publicado na revista Physical Review Letters, descreve uma nova forma de aplicar a equação de Teukolsky aos dados reais obtidos pelo LIGO e pelos seus parceiros na sua próxima série de observações. Esta abordagem de análise de dados utiliza uma série de filtros para remover características do "timbre" de um buraco negro previstas pela relatividade geral, de modo a que possam ser reveladas assinaturas potencialmente sutis além da relatividade geral.

Os físicos encontraram uma forma de traduzir um grande conjunto de equações complexas numa só equação, o que é extremamente útil. Esta equação é mais eficiente e mais fácil de usar do que os métodos que usados anteriormente. Os dois estudos complementam-se e podem aumentar significativamente a capacidade para sondar a gravidade.

Fonte: California Institute of Technology