A colaboração internacional ALICE (A Large Ion Collider Experiment) noticiou uma produção abundante de hádrons dotados de quarks estranhos em colisões próton-próton realizadas no LHC (Large Hadron Collider), o grande colisor de partículas localizado na fronteira franco-suíça.
© CERN/LHC (partículas formadas em colisão de núcleos de chumbo)
Foi a primeira vez que estes objetos, observados com crescente frequência nas colisões de núcleos pesados (chumbo-chumbo, ouro-ouro), foram detectados em tão grande abundância também no choque de partículas tão leves quanto o próton.
O estudo teve a participação decisiva de pesquisadores brasileiros, especialmente de David Dobrigkeit Chinellato, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, que atuou como coordenador internacional de um dos grupos de trabalho de física do ALICE, o grupo “Light Flavour”. Chinellato é apoiado pela FAPESP por meio do projeto “Produção de estranheza em colisões Pb-Pb na energia de 5,02 TeV no ALICE”.
A produção abundante de hádrons com quarks estranhos é considerada uma espécie de assinatura do plasma de quarks e glúons, um estado extremamente quente e denso da matéria que teria existido durante uma diminuta fração de segundo após o Big Bang e que agora está sendo recriado nos dois grandes colisores de partículas da atualidade, o Large Hadron Collider (LHC), na Europa, e o Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), nos Estados Unidos.
“A grande novidade foi observar esta produção abundante de hádrons com quarks estranhos na colisão de sistemas tão pequenos quanto os prótons,” comentou o físico Alexandre Alarcon do Passo Suaide, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador principal do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”.
A evidência de hádrons com quarks estranhos nas colisões próton-próton, veiculada agora pela colaboração ALICE, sugere que o plasma de quarks e glúons possa ser produzido também no choque destas partículas muito pequenas, e não apenas na colisão de núcleos pesados, chumbo-chumbo (no LHC) ou ouro-ouro (no RHIC), como já se admitia. Mas os pesquisadores consideram prematuro afirmar isso de maneira taxativa.
Esta cautela se justifica, entre outros motivos, pelo fato de o plasma de quarks e glúons não poder ser observado diretamente. Ele é extremamente efêmero. E, nos experimentos realizados no LHC e no RHIC, seu suposto tempo de duração é da ordem de 10-23s, o que impossibilita qualquer observação direta. O que os pesquisadores de fato observam são os objetos que se formam depois que os quarks e os glúons deixam de se movimentar livremente no plasma e voltam a ser encapsulados em hádrons. O experimento é operado a partir de uma sala de controle informatizada, localizada acima da superfície, enquanto o colisor propriamente dito, com 27 quilômetros de circunferência e quatro detectores (ATLAS, CMS, ALICE e LHCb), fica no subterrâneo, a 175 metros abaixo do nível do solo.
O conceito de “estranheza” foi proposto, nos anos 1950, por Murray Gell-Mann, Abraham Pais e Kazuhiko Nishijima, para caracterizar a propriedade que fazia com que certas partículas sobrevivessem por mais tempo do que o esperado. A estranheza, simbolizada pela letra “S”, maiúscula, é uma propriedade física, expressa por meio de um número quântico.
O conceito de quark surgiu mais tarde, já na década de 1960, proposto independentemente por Murray Gell-Mann e George Zweig. E, ao longo dos anos, vários tipos de quarks foram descobertos. Um deles recebeu o nome de “estranho” [strange, em inglês], pelo fato de sua existência oferecer uma explicação para a propriedade da estranheza. O estranho passou a ser simbolizado pela letra “s”, minúscula. É um dos seis quarks reconhecidos pelo Modelo Padrão da Física de Partículas: up [u], down [d], charm [c], strange [s], top [t] e bottom [b]. Sua massa é várias vezes maior do que as do up e do down, que compõem os prótons e os nêutrons.
Os “hádrons estranhos” são partículas maiores, que recebem este nome por conterem ao menos um quark estranho. São objetos fugazes como o Káon, o Lâmbda, o Xi e o Ômega, que se tornaram comuns nos experimentos envolvendo colisões de núcleos pesados, chumbo-chumbo e ouro-ouro.
“Desde os anos 1980, a abundância relativa de hádrons estranhos tem sido apontada como uma possível assinatura da formação do plasma de quarks e glúons em colisões centrais de núcleos pesados. O que o novo estudo mostrou foi que estes objetos também são produzidos em grande abundância em colisões próton-próton quando há uma grande multiplicidade de partículas formadas. A grande multiplicidade de partículas formadas é um indicador do alto patamar de energia alcançado no choque, aproximando-se daquilo que se observa nas colisões centrais núcleo-núcleo”, detalhou o físico Marcelo Gameiro Munhoz, coordenador do projeto temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”.
A formação do plasma de quarks e glúons gera mecanismos que facilitam a produção subsequente de hádrons estranhos. Por isso, a detecção de hádrons estranhos pode ser considerada um indício da formação prévia do plasma de quarks e glúons. Mas poderia haver uma outra explicação, não relacionada com o plasma, para este aumento de partículas estranhas, havendo a necessidade de reinterpretar aquilo que acontece nas colisões núcleo-núcleo.
Fonte: Nature Physics
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