domingo, 6 de março de 2016

O valor da constante de acoplamento forte

O valor de um dos parâmetros fundamentais da física, a constante de acoplamento forte (que conecta quarks e glúons, dando origem a hádrons, como os prótons e os nêutrons), determinado pelo pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Diogo Boito e colaboradores, acaba de ser acolhido pelo Particle Data Group (PDG), rede internacional que estabelece as medidas de várias grandezas físicas.

esquema do decaimento do lépton tau

© D. Boito (esquema do decaimento do lépton tau)

A imagem acima mostra o esquema do decaimento do lépton tau feito pelo pesquisador. O tau decai em um neutrino e em um bóson W (em azul). Os quarks são produzidos pelo W e interagem fortemente (bolha rosa), formando os hádrons que são detectados (píons e káons). O processo possibilita determinar um valor para a constante de acoplamento forte.

Boito é professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). E o valor por ele determinado havia sido publicado há cerca de um ano na revista Physical Review D: “Strong coupling from the revised ALEPH data for hadronic τ decays”.

“A interação entre quarks e glúons é descrita pela Cromodinâmica Quântica (Quantum Cromodynamics – QCD). E, nessa teoria, a constante de acoplamento forte, αs (alpha_s), desempenha papel fundamental. Mas, como essa constante não pode ser medida diretamente, vários grupos de pesquisadores procuram determiná-la de modo indireto, confrontando as predições teóricas com diferentes dados experimentais. Nosso valor foi obtido por meio do decaimento do lépton tau,” disse o pesquisador.

Boito conduz atualmente a pesquisa “Determinação precisa de parâmetros fundamentais da QCD”, apoiada pela FAPESP por meio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.

A interação forte é a mais poderosa força conhecida. Em uma situação típica, essa interação chega a ser centenas de vezes maior do que a da interação eletromagnética e até 1011 vezes maior que a interação fraca e 1039 vezes maior que a interação gravitacional. Por isso, os quarks e os glúons ficam confinados nos volumes diminutos dos hádrons (da ordem de 10-13centímetros), e não podem ser encontrados livremente na natureza. “Esse confinamento é um dos fatores que tornam tão difícil a determinação da constante de acoplamento forte”, explicou Boito.

O recurso utilizado por ele e por seus colaboradores foi trabalhar com dados obtidos no decaimento do lépton tau (τ). Essa partícula é da mesma natureza do elétron, porém possui massa aproximadamente 3.500 vezes maior. É produzida nos grandes aceleradores de partículas, por exemplo, pela colisão de elétron e antielétron, e dura, em média, apenas 2,9 x 10-13 segundos. Ao decair, o tau produz várias partículas de massa menor. Em um dos decaimentos possíveis são produzidos, entre outras partículas, o quark up e o quark down, que interagem fortemente. Foi esse tipo de decaimento que possibilitou a Boito determinar, indiretamente, um valor para αs.

Um aspecto singular dessa determinação decorreu do fato de a massa do tau ser relativamente baixa. Isso fez com que fosse possível verificar uma previsão teórica conhecida como “liberdade assintótica”, que deu o Prêmio Nobel de Física de 2004 a David Gross, David Politzer e Frank Wilczek. Segundo essa previsão, o valor de αs é menor em energias mais altas e maior em energias mais baixas; ou seja, o valor não é propriamente constante. “Nossa determinação contribui para corroborar essa previsão na região de energias baixas,” afirmou o pesquisador.

Como a determinação pode ser feita também de outras maneiras, valores ligeiramente diferentes são obtidos por diversos grupos de pesquisa. As determinações são avaliadas pelos especialistas do PDG e, quando consideradas consistentes, seus valores são incorporados ao rol acolhido pela colaboração internacional. A partir dessa lista, o PDG publica um valor médio internacional, que serve de referência para todos os pesquisadores da área e que é atualizado a cada dois anos. A constante de acoplamento forte é um número puro, adimensional. O último valor médio, publicado em fevereiro de 2016, que agrega o resultado de Boito e colaboradores, foi de αs = 0,1181 ± 0,0013.

Fonte: FAPESP (Agência)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Detectadas ondas gravitacionais

As ondas gravitacionais, as ondulações cósmicas que distorcem o espaço-tempo, foram diretamente detectadas pela primeira vez.

fusão de dois buracos negros

© Rochester Institute of Technology (fusão de dois buracos negros)

Em um anúncio feito no dia 11 de fevereiro de 2016, os pesquisadores do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO) relataram a detecção de ondas gravitacionais. O sinal captado pelo LIGO veio da colisão de dois buracos negros, e foi detectado no dia 14 de setembro de 2015 por detectores gêmeos na Louisiana e em Washington, nos EUA. A oscilação surgiu com uma frequência de 35 ciclos por segundo (Hz), e acelerou até 250 Hz, antes de desaparecer, 0,25 segundos mais tarde. Com o aumento da frequência, dois sinais surgem juntos e em forma espiral, cujo pico foi deformado de 1,0×10-21.
O atraso de 0,007 segundos entre os sinais registados pelos detetores da LIGO foi essencial para analisar a velocidade da onda em ambos os detetores.

detecção das ondas gravitacionais

© LIGO (detecção das ondas gravitacionais)

Esta colisão cósmica enviou ondas gravitacionais que fluíram na velocidade da luz, causando ondulações no tecido do espaço-tempo, semelhante à forma como uma pedra perturba a água de uma lagoa quando é arremessada em seu centro. Os pesquisadores disseram que a colisão ocorreu a 1,3 bilhões de anos atrás, entre buracos negros com 29 e 36 vezes mais massa do que o Sol, respectivamente. Durante o ocorrido, cerca de três vezes a massa do Sol foi convertida em ondas gravitacionais em menos de um segundo, gerando uma potência de pico de aproximadamente 50 vezes a de todo o Universo visível.

"Nossa observação de ondas gravitacionais cumpre uma meta ambiciosa de cinco décadas, que era a de detectar esse fenômeno diretamente, e assim, compreender melhor o Universo, e claro, o legado de Einstein no 100º aniversário de sua Teoria da Relatividade Geral", disse David Reitze, do Instituto de Tecnologia da Califórnia e diretor executivo do LIGO, nos EUA.
A detecção das ondas gravitacionais é um marco na astronomia e astrofísica. Ao contrário de ondas de luz, as ondas gravitacionais não ficam distorcidas ou alteradas por interações com a matéria, enquanto se propagam pelo espaço, carregando a informação sobre os objetos e eventos que propiciram sua criação.

As ondas gravitacionais foram inicialmente previstas por Albert Einstein em sua famosa Teoria da Relatividade Geral de 1915. Um aspecto relevante desta teoria diz que o espaço e o tempo não são duas coisas separadas, mas sim estão ligados entre si em um único tecido: o espaço-tempo. Objetos massivos, como estrelas, esticam e curvam este tecido, assim como uma bola de boliche distorce uma lona. Isso faz com que objetos (como planetas) e até mesmo a luz percorram caminhos curvos em torno desses corpos mais massivos.

As ondas gravitacionais afetam este tecido, causando distorções no espaço-tempo. Estudos anteriores confirmaram a existência de ondas gravitacionais, que são geradas pela aceleração (ou desaceleração) de objetos massivos, mas através de métodos indiretos. A descoberta do LIGO é a primeira detecção direta desse fenômeno enigmático.

O observatório LIGO pode detectar ondas gravitacionais relativamente fortes, que são criadas por acontecimentos dramáticos, como dois buracos negros que se encontram numa colisão, ou fusões de estrelas de nêutrons. O detector também pode encontrar ondas gravitacionais geradas por uma explosão de estrela, conhecida como supernova, segundo os pesquisadores.
Distinguir essas ondulações no espaço-tempo é um grande desafio. Como uma onda gravitacional passa através da Terra, e espreme o espaço em uma direção e estende-o em outra, o LIGO observa essa curvatura do espaço-tempo usando dois detectores em forma de L.

Cada braço de cada detector tem 4 km de comprimento. Perto do ponto em que os dois braços se encontram, um impulso de luz de laser é lançado para baixo de cada braço simultaneamente. Os pulsos viajam por essas extremidades e saltam para fora, num espelho na extremidade, e depois voltam perto do ponto de partida.

Se uma onda gravitacional passa, ela vai comprimir um braço do detector e esticar o outro. Como resultado, o feixe de luz que viaja para baixo do braço esticado vai demorar um pouco mais para voltar ao ponto de partida do que o feixe de luz que viaja no braço que foi comprimido. Se o mesmo sinal é visto por ambos os detectores, os pesquisadores podem ter certeza de que o sinal é real, e não o resultado de condições ambientais em um dos locais. Gravar o sinal em dois locais diferentes também permite aos cientistas encontrar a fonte da onda gravitacional no céu por triangulação.
A mudança no comprimento de cada braço é muito menor do que a largura de um núcleo atômico. Se o detector LIGO se estendesse desde o Sol até a estrela mais próxima, a Proxima Centauri, localizada a 40,14 trilhões de km de distância, uma onda gravitacional iria encolher o detector na largura de apenas um fio de cabelo humano.

Esta não é a primeira vez que as ondas gravitacionais ganham as manchetes do mundo. Em 2014, pesquisadores usaram o telescópio BICEP2 na Antártida, e anunciaram a detecção de assinaturas de ondas gravitacionais à luz microondas que restou do Big Bang, a radiação cósmica de fundo. Mas esse resultado se desfez quando as observações do observatório espacial Planck mostrou que as alegadas assinaturas foram, provavelmente, apenas poeira espacial.

Enquanto isso, outras deduções podem ocorrer em curto prazo. Os pesquisadores do LIGO ainda estão analisando os dados recentes e planejam começar a coletar sinais novamente em julho. O reconstruído detector italiano VIRGO, um interferômetro com braços de 3 km, também irá coletar novos dados ainda este ano.

Os físicos esperam ansiosamente a próxima onda!

Fonte: Space & Physical Review Letters

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A evolução da fusão nuclear

Cientistas do Hefei Institutes of Physical Science da Chinese Academy of Sciences (CASHIPS), na China, conseguiram alcançar temperaturas três vezes maiores que a do nosso Sol ao realizar uma fusão nuclear.

interior do Tokamak chinês

© CASHIPS (interior do Tokamak chinês)

O experimento durou 102 segundos e tornando a fusão nuclear artificial mais longa que já existiu no planeta. O feito representou um grande avanço na corrida para tornar realidade um dos maiores desafios científicos do século XXI: conseguir criar uma fonte de energia viável a partir da fusão nuclear, imitando o processo que acontece no Sol.

Utilizando o reator de fusão termonuclear Tokamak Superconductor Experimental Advanced (EAST), os pesquisadores elevaram a temperatura do hidrogênio para aproximadamente 50 milhões de graus Celsius (a temperatura do núcleo do Sol é cerca de 15 milhões de graus Celsius), transformando o gás hidrogênio em plasma.

O maior obstáculo da fusão para ser viável como fonte de energia é o confinamento do plasma durante tempo suficientemente longo. Esta foi a grande façanha dos chineses, que chegaram mais longe do que ninguém nesse aspecto.

"O processo foi conseguido através do aquecimento com plasma confinado por uma supercondução magnética," disse Li Ge, pesquisador do Hefei Institutes of Physical Science.

Conseguir uma fusão nuclear estável e controlada é uma das grandes ambições da comunidade científica internacional, uma vez que tem potencial como fonte de energia limpa e é um recurso quase inesgotável.

A novidade do experimento chinês, não está nessa alta temperatura alcançada, mas no tempo que conseguiram mantê-la; em dezembro de 2015, uma equipe do Instituto Max Planck, na Alemanha, conseguiu atingir 80 milhões de graus Celsius em um teste similar. No entanto, enquanto os cientistas alemães, e antes deles outros europeus, japoneses e americanos, consideraram um sucesso chegar a estas temperaturas em uma fração de segundo, os chineses mantiveram o processo durante um minuto e 42 segundos.

Controlar esta operação por tanto tempo demonstra uma evolução técnica que aproxima os pesquisadores da chegada de reatores nucleares de fusão capazes de imitar o processo que acontece no Sol de forma natural, gerando energia.

A fusão é uma reação química que consiste na união de dois átomos para formar um maior, liberando uma enorme quantidade de energia no processo, o mesmo utilizado, por exemplo, na bomba de hidrogênio. A energia obtida neste tipo de processo é mais potente que a realizada nas usinas nucleares, que efetuam fissão de átomos gerando átomos menores.

Para explorar a viabilidade da fusão de hidrogênio para a geração de energia uma aliança formada pelos Estados Unidos, União Europeia, China, Rússia, Japão, Índia e Coreia do Sul desenvolveram o projeto ITER (Reator Internacional Termonuclear Experimental), que está sendo construído no sul da França. O EAST chinês é uma espécie de versão em pequena escala do ITER, e os dados de seu último experimento serão disponibilizados aos parceiros internacionais que participam desse projeto, segundo anunciou a Academia de Ciências da China.

O próximo objetivo dos pesquisadores chineses é chegar aos 100 milhões de graus e preservá-los durante 1.000 segundos, mas o reator termonuclear terá que ser atualizado.

Fonte: Hefei Institutes of Physical Science

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Refinada a medida da carga do antihidrogênio

Uma pesquisa internacional com participação brasileira consegue medir com precisão 20 vezes maior que a anterior o limite de uma possível carga elétrica do antihidrogênio, átomo de antimatéria produzida em laboratório.

Alpha

© Revista Física (ilustração do experimento Alpha)

Resultados aproximam a ciência de comprovar experimentalmente conceitos teóricos. Embora prevista há décadas por diversas teorias físicas, a antimatéria não pode ser encontrada na natureza. Criada em laboratório, é de difícil estudo, pois, as partículas se aniquilam ao encontrar paredes ou matéria comum e, além disso, precisam ser resfriadas para uma análise mais cuidadosa. Esforços recentes, no entanto, vêm obtendo resultados cada vez mais promissores para a física contemporânea. Uma equipe internacional de cientistas, depois de conseguir produzir o antihidrogênio, tem aprofundado cada vez mais seu estudo, e conseguiu colocar um limite com precisão ainda maior na carga do antiátomo.

O conceito de antimatéria é do físico britânico Paul Dirac (1902-1984), e as teorias físicas mais consagradas preveem que, na grande explosão que criou o Universo, o Big Bang, matéria e antimatéria surgiram em quantidades praticamente iguais. Uma é equivalente a outra, com carga trocada; isto é, a cada partícula da matéria (por exemplo, o elétron, de carga negativa) corresponde uma partícula de antimatéria (o antielétron ou pósitron), idêntica mas de carga oposta (positiva), onde uma aniquilaria a outra. Uma questão ainda sem resposta é por que vemos tanta matéria no Universo e ainda não conseguimos observar a antimatéria livre.

Quando os cientistas preveem teoricamente uma coisa que não conseguem observar diretamente no mundo natural, o caminho é quase sempre tentar demonstrar esse fato em laboratório. Foi seguindo essa linha que o primeiro antiátomo em baixas velocidades foi criado pelo grupo de pesquisa Athena em 2002, no acelerador de partículas mais poderoso do mundo, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), localizado na Suíça. Formado por um antipróton e um pósitron, o antihidrogênio foi um grande passo, mas o desafio continuou: a partícula gerada tinha enorme energia, e aprisioná-la para um estudo mais aprofundado levou anos.

Finalmente, em 2010, a equipe Alpha, que deu sequência ao grupo Athena, anunciou o aprisionamento do antihidrogênio e a comprovação de que o antiátomo tinha a carga muito pequena, próxima de neutra, como previsto pela teoria. Agora, com novo método, a medição da carga do antiátomo ganhou precisão cerca de 20 vezes maior.

O antiátomo se mostrou neutro com uma carga menor que 0,7 parte por bilhão da carga elementar do elétron. A neutralidade dos átomos e moléculas constituidos de matéria já está comprovada com erro menor do que 10−21e para uma variada gama de espécies, incluindo H2, He e SF6.

“Esta é a medida mais precisa jamais feita da nulidade da carga do antihidrogênio,” celebra o físico Cláudio Lenz Cesar, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos três brasileiros que participam do projeto composto por um grupo de 50 cientistas. Os outros dois brasileiros são: Daniel de Miranda Silveira e Rodrigo Lage Sacramento.

O novo método para verificar a carga do antiátomo consistiu na aplicação dos chamados potenciais elétricos estocásticos, com a metodologia do caminho aleatório. O método consiste em aplicar pulsos aleatórios sobre antiátomos presos em uma armadilha chamada garrafa magnética, a mesma usada pelo grupo para verificar o comportamento do antihidrogênio em relação à gravidade.

A aplicação de pulsos aleatórios mexeria com uma possível carga dos antiátomos, ora aumentando, ora diminuindo sua energia. Então, os átomos passariam por um estágio de maior energia e escapariam da armadilha. “Se, no final, houvesse alguma carga nos antiátomos, a tendência seria que todos escapassem, deixando a garrafa magnética vazia,” conta Lenz.

Não foi o que aconteceu no experimento. Mesmo após repetidos pulsos e o desligamento do campo magnético da armadilha, o antihidrogênio não escapou da garrafa, o que sugere que não teria ganho energia. Sua carga, portanto, aproxima-se de zero, assim como a do hidrogênio.

Os resultados animadores já deixaram a equipe do Alpha na expectativa das próximas descobertas. Segundo Lenz, o próximo passo da pesquisa é lançar um feixe de laser ultrapreciso sobre o antihidrogênio, o que permitiria observá-lo ainda melhor e medir  seus níveis quânticos de energia com uma precisão na ordem de partes por trilhão. “Este é o nosso objetivo desde que começamos a pesquisa, há 20 anos, e está prestes a se concretizar,” anuncia o pesquisador.

Este trabalho foi descrito na revista Nature.

Fonte: Ciência Hoje