segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Um demônio de Maxwell autônomo

Em 1867, o físico escocês James Clerk Maxwell desafiou a segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a entropia em um sistema fechado sempre deve aumentar.

demônio de Maxwell autônomo

© J. Koski (demônio de Maxwell autônomo)

Na ilustração acima, quando o demônio vê o elétron entrar na ilha (1), ele o aprisiona com uma carga positiva (2). Quando o elétron deixa a ilha (3), o demônio solta uma carga negativa (4).

Em seu experimento mental, Maxwell idealizou um recipiente fechado com gás, dividido em duas partes por uma parede interna, na qual existe uma pequena porta.

Abrindo e fechando a porta, uma criatura hipotética, que passou à história com o nome de "Demônio de Maxwell", poderia ordenar as partículas do gás, passando a lentas e frias para um lado e dirigindo as rápidas e quentes para o outro lado da parede, criando assim, uma diferença de temperatura que violaria as leis da termodinâmica.

No plano teórico, este experimento mental tem sido objeto de análises, interpretações e controvérsias nesses últimos 150 anos, mas testar experimentalmente a ideia vinha sendo impossível até há pouco tempo.

Então, em 2007, uma equipe escocesa finalmente construiu uma nanomáquina equivalente ao Demônio de Maxwell. Mas a controvérsia continuou, porque este experimento ainda dependia de um atuador externo, deixando a entropia total seguir seu caminho previsto e a segunda lei da termodinâmica intacta.

Agora, Jonne Koski da Universidade de Aalto, na Finlândia, através da pesquisa que faz parte de sua tese de doutorado, conseguiu construir um demônio de Maxwell autônomo, capaz de executar o experimento idealizado por Maxwell por conta própria e sem qualquer ajuda externa, permitindo analisar alterações microscópicas envolvendo a termodinâmica.

O sistema é constituído por dois transistores que separam os elétrons em termos de suas energias, efetivamente retirando energia de um dos transistores, que então se resfria, num processo adiabático.

"O sistema que construímos é um transístor de elétron único formado por uma pequena ilha metálica ligada a dois fios por junções túnel feitas de materiais supercondutores. O demônio ligado ao sistema também é um transístor de elétron único que monitora o movimento dos elétrons no sistema. Quando um elétron tunela para a ilha, o demônio o aprisiona com uma carga positiva. Inversamente, quando um elétron deixa a ilha, o demônio o repele com uma carga negativa e o força a se mover morro acima, contrariamente ao seu potencial, o que reduz a temperatura do sistema," explicou o professor Jukka Pekola.

O que torna este demônio autônomo é que ele executa a operação de medição e atuação sem qualquer comando ou energia vindos do exterior. As alterações de temperatura são indicativas da correlação entre o demônio e o sistema, ou, em termos simples, de quanto o demônio "sabe" sobre o sistema.

O sistema é operado em temperaturas extremamente baixas, e é tão bem isolado que é possível registrar mudanças extremamente pequenas de temperatura.

Um demônio eletrônico também permite um número muito grande de repetições da operação de medição e retorno em um tempo muito curto, enquanto que aqueles que, no resto do mundo, usnado moléculas para construir seus demônios teve de lidar com não mais do que algumas centenas de repetições.

O demônio de Maxwell poderá ter aplicações no resfriamento de chips e qubits e também na computação reversível, um conceito que prevê uma computação na qual o processo de cálculo pode ser revertido sem perda de energia.

"Como trabalhamos com circuitos supercondutores, também é possível para nós criar qubits de computadores quânticos. Como próximo passo, gostaríamos de examinar esses mesmos fenômenos em nível quântico," revela o professor Pekola.

Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Physical Review Letters.

Fonte: Aalto University

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Buraco negro de plasma de quarks e glúons

Por meio de simulação computacional, pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, no Brasil, e do Departamento de Física da Columbia University, nos Estados Unidos, determinaram pela primeira vez, de forma quantitativa, como a carga bariônica se difunde através do plasma de quarks e glúons.

colisão de núcleos de ouro

© Brookhaven National Laboratory (colisão de núcleos de ouro)

A imagem acima mostra o evento de uma única colisão de íons de ouro, acelerados até a energia de 200 GeV (giga elétron-volts), medida pelo rastreador de vértice de silício do detector PHENIX, do Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC).

A carga bariônica é definida pela diferença entre o número de quarks e antiquarks em um dado meio. Supõe-se que o plasma de quarks e glúons tenha predominado no Universo durante uma pequeníssima fração de segundo após o Big Bang, muito antes que o processo de expansão e consequente resfriamento do cosmo reconfigurasse várias vezes seu conteúdo material e energético, até chegar ao estágio atual. Fazendo o caminho inverso, é possível produzir o plasma de quarks e glúons a partir da matéria ordinária, aquecendo-a a temperaturas milhares de vezes superiores à mais alta temperatura registrada no Sol.

Porém, no ambiente terrestre, o patamar de energia necessário para isso só é alcançado, e por um ínfimo lapso de tempo, nas colisões relativísticas [próximas da velocidade da luz] de núcleos pesados, produzidas nos dois maiores colisores de partículas da atualidade, o Large Hadron Collider (LHC), na Europa, e o Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), nos Estados Unidos.

“Simulando em computador as propriedades de 250 mil buracos negros pentadimensionais, calculamos como a carga bariônica se difunde através desse plasma quando o sistema passa a conter mais matéria do que antimatéria”, disse Noronha. “Para isso, utilizamos um modelo teórico baseado na chamada ‘dualidade holográfica’, que estabelece uma surpreendente equivalência entre certas teorias quânticas definidas no espaço-tempo usual, de quatro dimensões estendidas, e a física de supercordas em um espaço-tempo curvo, de cinco dimensões estendidas.”

A “dualidade holográfica”, descoberta pelo físico argentino Juan Maldacena em 1997, é considerada uma das maiores revoluções da física teórica em anos recentes, porque possibilita que alguns fenômenos quânticos de difícil entendimento no espaço-tempo usual, de quatro dimensões, sejam estudados como hologramas de fenômenos gravitacionais mais simples ocorrendo em um espaço de cinco dimensões.

Esses fenômenos pentadimensionais são descritos pela teoria de supercordas, que é, atualmente, a principal candidata à teoria da gravitação quântica, superando o problema até agora insolúvel de compatibilizar a teoria quântica com a teoria da relatividade geral, os dois pilares da física contemporânea. Os partidários da teoria de supercordas consideram que ela poderá desempenhar um papel fundamental no entendimento de configurações em que a matéria-energia se encontra comprimida em densidades extremas, como no universo primordial ou no interior de buracos negros.

“A teoria de supercordas preconiza que as partículas fundamentais que identificamos no Universo correspondam, na verdade, a diferentes modos de vibração de minúsculas cordas existindo em um espaço-tempo de 10 dimensões. Como o Universo a que temos acesso por meio dos instrumentos de observação e dos experimentos se apresenta como um espaço-tempo com quatro dimensões estendidas [as três direções espaciais e o tempo], conjectura-se que as seis dimensões extras previstas pela teoria de supercordas devam estar compactadas em objetos extremamente reduzidos, que não podemos sondar diretamente com a tecnologia atual”, explicou o pesquisador.

Em princípio, haveria um grande número de compactações possíveis para as dimensões extras, a cada uma correspondendo um universo diferente. O Universo conhecido seria apenas um deles.

“O que Maldacena descobriu foi uma importante relação matemática entre certas teorias quânticas definidas no espaço-tempo plano usual, de quatro dimensões estendidas, e supercordas existindo em um contexto formado pela composição de um espaço-tempo curvo de cinco dimensões estendidas [chamado de ‘Anti-de-Sitter’ ou AdS] e uma hiperesfera com cinco dimensões compactadas. A relação matemática descoberta por Maldacena recebe o nome de dualidade holográfica”, informou Noronha.

Uma das principais aplicações da “dualidade holográfica” é utilizar as propriedades físicas de buracos negros definidos em um espaço AdS pentadimensional para calcular, de forma aproximada, as características do plasma de quarks e glúons, produzido experimentalmente nos dois grandes colisores.

“A expressão ‘plasma de quarks e glúons’ precisa ser melhor explicada”, ponderou o pesquisador. “A palavra ‘plasma’ designa um gás de íons, isto é, de partículas eletricamente carregadas. Ao passo que os glúons são eletricamente neutros e os quarks possuem carga elétrica fracionária (o que os distingue de todas as demais partículas, que apresentam carga elétrica inteira ou nula).

Outro aspecto bastante peculiar dos quarks e glúons é que, sob as condições habitualmente observadas na natureza, essas partículas fundamentais se encontram confinadas no interior de partículas compostas, chamadas de hádrons, como os prótons e os nêutrons, que compõem os núcleos atômicos. Quando núcleos atômicos pesados, compostos por vários prótons e nêutrons, são colididos a altíssimas energias, como ocorre no LHC e no RHIC, os quarks e os glúons são temporariamente liberados, formando o meio que, por comodidade, chamamos de plasma de quarks e glúons.”

“Esse ‘plasma’ corresponde, de fato, a gotículas de volumes minúsculos, com raios da ordem de 10-15 metros, e temperaturas altíssimas, em torno de 250 mil vezes a temperatura do centro do Sol, estimada em 107 Kelvin. De fato, essas gotículas, formadas nos grandes colisores, constituem o fluido mais perfeito, de menor tamanho e mais quente já produzido pelo ser humano. Duram apenas uma diminuta fração de segundo, antes que o resfriamento faça com que os quarks e glúons sejam novamente confinados em hádrons. Esse meio corresponderia à condição do Universo poucos instantes após o Big Bang”, descreveu Noronha.

Neste trabalho os pesquisadores utilizaram a dualidade holográfica e a simulação computacional para investigar, pela primeira vez na literatura, como a carga bariônica se difunde através do plasma de quarks e glúons. E calcularam também a condutividade associada a essa carga, além de outras grandezas observáveis, de grande importância para a caracterização física desse estado da matéria.

Um artigo descrevendo o estudo intitulado “Suppression of Baryon Diffussion and Transport in a Baryon Rich Strongly Coupled Quark-Gluon Plasma”, assinado por Rômulo Rougemont e Jorge Noronha, da USP, e por Jacquelyn Noronha-Hostler, de Columbia, foi publicado no periódico Physical Review Letters.

Fonte: FAPESP (Agência)