sábado, 12 de setembro de 2015

Einstein foi o primeiro a deduzir E = mc²?

Nenhuma equação é mais famosa que E = mc2, e poucas são mais simples.

equação da energia

© Shutterstock (equação da energia)

De fato, a fama da equação imortal se deve principalmente à sua absoluta simplicidade: a energia E de um sistema é igual à sua massa m multiplicada por c2, a velocidade da luz ao quadrado. A mensagem da equação é que a massa de um sistema é uma medida de seu conteúdo de energia. No entanto, E = mc2 traduz alguma coisa mais fundamental. Se pensarmos em c, a velocidade da luz, como um ano-luz por ano, o fator de conversão c2 torna-se igual a 1. O que faz com que a equação se reduza a E = m. Energia e massa são iguais.
De acordo com o folclore científico, Albert Einstein formulou sua equação em 1905 e de uma estocada só, explicou como a energia é liberada em estrelas e em explosões nucleares. Essa é uma simplificação exagerada. Einstein não foi a primeira pessoa a considerar a equivalência entre massa e energia, na verdade, nem foi ele quem a provou.
Qualquer pessoa que passou por um curso básico de eletricidade e magnetismo sabe que corpos carregados conduzem campos elétricos, e que cargas em movimento também criam campos magnéticos. Portanto, partículas eletrizadas em movimento carregam campos eletromagnéticos.
No fim do século 19, filósofos da natureza acreditavam que o eletromagnetismo era mais fundamental que as leis do movimento de Isaac Newton, e que o próprio campo eletromagnético forneceria a origem da massa. Em 1881 J. J. Thomson, que mais tarde viria a descobrir o elétron, tentou demonstrar pela primeira vez, que isso seria possível calculando explicitamente o campo magnético gerado por uma carga esférica em movimento e mostrando que o campo induzia uma massa no interior da própria esfera.
O efeito é totalmente análogo ao que ocorre quando deixamos cair uma bola de tênis no solo. A força da gravidade puxa a bola para baixo. Forças de flutuação e de arraste do ar impedem a queda da bola. Mas isso não é tudo. Com ou sem resistência, para a bola cair ela precisa empurrar para fora de seu caminho o ar que está à sua frente e esse ar tem massa.
A massa efetiva da bola em queda é, consequentemente, maior que sua massa em repouso. Para Thomson o campo da esfera agiria como o ar na frente da bola, e nesse caso a massa efetiva da esfera seria toda a massa induzida pelo campo magnético.
O resultado ligeiramente complicado de Thomson dependia da carga, do raio e da permeabilidade magnética do corpo, mas em 1889, o físico inglês Oliver Heaviside simplificou os cálculos de Thomson e mostrou que a massa efetiva deveria ser m = (43) E/c2, onde E é a energia do campo elétrico da esfera. Os físicos alemães Wilhelm Wien, famoso por suas pesquisas sobre a radiação do corpo negro, e Max Abraham, obtiveram o mesmo resultado: que se tornou conhecido como “massa eletromagnética” do elétron clássico (o que nada mais era que uma minúscula esfera carregada). Apesar de que, para haver massa eletromagnética era preciso que o corpo estivesse carregado, e em movimento, o que claramente não se aplicava a todos os corpos, essa foi a primeira tentativa séria de relacionar massa e energia.
Tampouco foi a última. Quando, em 1884, o inglês John Henry Poynting enunciou o famoso teorema sobre conservação da energia do campo eletromagnético, outros cientistas tentaram rapidamente estender as leis da conservação para massa e energia.
De fato, em 1900, o sempre presente Henri Poincaré declarou que se supusermos que o momentum de quaisquer partículas presentes num campo eletromagnético mais o momentum do próprio campo são ambos conservados, então o teorema de Poynting previa que o campo deve agir como um “fluido fictício” com massa tal que a energia é E = mc2. Poincaré, no entanto, não conseguiu relacionar E com a massa de qualquer corpo real.
O escopo das investigações foi ampliado novamente em 1904 quando Fritz Hasenöhrl criou um experimento mental envolvendo energia térmica numa cavidade em movimento. Relegado ao esquecimento nos dias atuais, exceto pelos detratores de Einstein, Hasenöhrl era na época mais famoso que o analista desconhecido do registro de patentes.
Hasenöhrl escreveu uma excelente trilogia de artigos, “Sobre a teoria da radiação de corpos em movimento”. Os dois últimos foram publicados no periódic oAnnalen der Physik, em 1904, e no início de 1905. No primeiro ele imaginou uma cavidade cilíndrica perfeitamente refletora na qual as duas calotas das extremidades, que serviam de aquecedores, eram ligadas, enchendo a cavidade com calor comum, ou seja, com radiação de corpo negro. A terceira lei de Newton (“toda a ação gera uma reação igual e oposta”) afirma em linguagem moderna que qualquer fóton emitido por um aquecedor deve exercer uma força externa contra cada um deles (podemos supor que essas forças externas sejam o que mantém as calotas presas ao cilindro). Mas como fótons idênticos são emitidos de cada extremidade, as forças têm a mesma intensidade. Pelo menos, quando vistas por observador localizado no interior da cavidade.
Hasenöhrl, então perguntou, a seguir, como o sistema seria visto ao se deslocar com velocidade constante em relação a um observador situado no laboratório.
A física básica afirma que a luz emitida por uma fonte que se aproxima de um observador se desloca para o lado azul do espectro visível, e se a fonte se afasta do observador a luz se desloca para a extremidade vermelha do espectro. É o famoso desvio Doppler. Fótons emitidos por uma das calotas das extremidades sofrerão então desvio Doppler para o azul para o observador localizado no referencial do laboratório e os da outra extremidade serão desviados para o vermelho. Fótons azuis transportam mais momentum que vermelhos, por isso, para manter a cavidade se deslocando a uma velocidade constante as duas forças externas agora precisam ser diferentes. Uma aplicação simples do “teorema do trabalho-energia”, que relaciona a diferença de trabalho produzida pelas forças com a energia cinética da cavidade, permitiu que Hasenöhrl concluísse que a radiação do corpo negro tem massa m = (83) E / c2. Em seu segundo artigo, Hasenöhrl considerou uma cavidade cheia de radiação em movimento lentamente acelerado e obteve a mesma resposta. Depois de uma comunicação de Abraham, no entanto, ele descobriu um erro algébrico e em seu terceiro artigo ele corrigiu o resultado para m = (43) E / c2.
Ao considerar uma massa inerente ao calor, Hasenöhrl estendeu suas especulações anteriores além do campo eletromagnético de corpos eletrizados, até chegar a um experimento mental mais amplo, muito semelhante ao do próprio Einstein do ano seguinte que deu origem a E = mc2. Obviamente, Hasenöhrl estava escrevendo a pré-relatividade, e alguém poderia imaginar que um resultado incorreto seria inevitável. Porém, a questão não era assim tão simples. O astrônomo Stephem Boughn analisou detalhadamente a trilogia de Hasenöhrl e a alegação comum, “ele se esqueceu de levar em conta as forças que a própria cavidade exerce para manter as calotas das extremidades no lugar”, não é o problema. O maior erro no primeiro experimento mental de Hasenöhrl foi ele não ter percebido que se as calotas das extremidades emitiam calor, elas precisavam perder massa, um lapso irônico, visto que essa é exatamente a equivalência entre massa e energia que ele tentava obter. Apesar disso, Hasenöhrl estava bastante correto, a ponto de Max Planck chegar a dizer em 1909, “que a radiação do corpo negro possui inércia, foi mostrado pela primeira vez por F. Hasenöhrl”. A radiação do corpo negro tem massa.
O mais surpreendente é que no segundo experimento, no qual a cavidade já está cheia de radiação e as calotas não estão irradiando, a resposta de Hasenöhrl não está obviamente errada, mesmo de acordo com a relatividade. O famoso artigo de Einstein, E = mc2, de 1905, “A inércia de um corpo depende da energia nele contida?” considera somente uma partícula pontual emitindo uma explosão de radiação e como um observador em movimento vê o sistema? Ao considerar uma cavidade de comprimento finito, Hasenöhrl estava sendo muito mais audacioso, ou negligente. Corpos extensos têm produzido vários problemas para a relatividade especial, como o fato de a massa do elétron clássico também sair da equação m = (43) E / c2.

Logo, usando matemática relativisticamente correta obtém-se um resultado que aparentemente contradiz a reposta que qualquer um espera e quer. Argumentos sobre como resolver adequadamente a questão persistem até hoje.
Igualmente surpreendente foi o fato de que embora Einstein tenha sido o primeiro a propor a equação correta, E = mc2, ele, na verdade, não a provou, pelo menos, de acordo com sua própria relatividade especial. Einstein começou utilizando relações relativísticas (efeito Doppler relativístico) que tinha deduzido alguns meses antes, mas finalmente chegou bem perto dos bits relativísticos, deixando uma resposta que se pode tirar da física puramente clássica e que pode ou não permanecer verdadeira em velocidades mais altas onde a relatividade começa a ter efeito. Além disso, embora ele tenha afirmado que sua conclusão se aplica a todos os corpos e a todas as formas de energia, Einstein certamente não fez nenhuma tentativa para prová-la. Ele sabia dos pontos fracos de suas deduções e escreveu mais alguns artigos ao longo dos 40 anos seguintes tentando consertar as coisas, mas provavelmente jamais conseguiu. Obviamente, desde então inúmeros experimentos nos convenceram de como os resultados de Einstein estavam corretos.
É natural especular se Einstein sabia do trabalho de Hasenöhrl. É difícil acreditar que não, pois a maior parte da trilogia imbatível de Hasenöhrl apareceu nas mais renomadas revistas científicas na época. Certamente, em algum momento ele conheceu Hasenöhrl: uma fotografia famosa da primeira Conferência Solvay de 1911 mostra os dois juntos em torno da mesa com outros ilustres participantes.
Assim, embora Einstein tenha atingido um definitivo avanço conceitual ao relacionar a massa de um corpo com a energia total nele contida, quer esteja ou não em movimento, quer tenha ou não um campo eletromagnético associado, é preciso atribuir também os devidos créditos a Hasenöhrl, por ter descoberto, sem ambiguidade, que o próprio calor possui uma massa equivalente, e aos físicos que o precederam por terem fornecido a estrutura que lhe serviu de apoio. A equação E = mc2 é o final surpreendente de uma longa e intrincada história científica.

Fonte: Scientific American

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Um panorama dos avanços da física

Explicar para um público amplo como algumas das maiores descobertas da física foram feitas não é tarefa simples.

História da Física

© CBPF/Cássio Leite Vieira (História da física)

Para visualizar o livro click na imagem acima.

Em História da física: artigos, ensaios e resenhas, editado e publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o jornalista Cássio Leite Vieira faz justamente isso. A obra traz uma coletânea de reportagens escritas pelo autor ao longo das últimas décadas. São textos que fornecem um panorama dos grandes avanços científicos da física nos séculos XIX e XX. Dividido em três partes, o livro aborda primeiro a física internacional, depois a física no Brasil e, por último, apresenta resenhas de livros sobre grandes cientistas da área. Os textos são escritos em linguagem simples e são acessíveis mesmo a quem não possui conhecimentos de física.

Além de contar como a física evoluiu e a história das grandes descobertas, Vieira fala sobre a vida dos cientistas por trás delas e fornece o contexto histórico de cada avanço. Assim, o leitor pode compreender melhor não apenas como uma nova teoria pode mudar a forma de se enxergar a física, mas também como as ideologias de uma época influenciaram a mente de seus criadores. Algumas das teorias de John Bell sobre mecânica quântica, consideradas filosóficas, ganharam força com o movimento hippie dos Estados Unidos do fim da década de 1960. A frase do físico norte-americano John Clauser ilustra a relação entre história e ciência: ‘‘A guerra do Vietnã dominava os pensamentos políticos da minha geração. Sendo um jovem físico naquele período de pensamento revolucionário, eu naturalmente queria chacoalhar o mundo”.

Esses bastidores da ciência continuam com histórias sobre relações e debates entre pesquisadores. Exemplo disso são as discussões entre o físico alemão Albert Einstein e o dinamarquês Niels Bohr, classificadas por alguns como “o maior debate filosófico do século passado”. Einstein buscou provar que a mecânica quântica, teoria defendida por Bohr para explicar fenômenos em escala microscópica, estava equivocada por indicar apenas as probabilidades de um fenômeno ocorrer, e não a “certeza”. Einstein também criticava o fato de que, segundo a teoria, depois de duas partículas interagirem, surgiria uma “comunicação instantânea” entre elas. Em algumas situações, essa comunicação teria que ocorrer em uma velocidade superior à da luz, o que ia contra as ideias de Einstein. Entretanto, esse fenômeno se demonstrou real e ficou conhecido como emaranhamento.

Outro atrativo do livro de Vieira é discutir as implicações e as aplicações práticas de descobertas da física teórica. O emaranhamento, por exemplo, pode ser utilizado no futuro para criptografar dados, aumentando a segurança e a privacidade de informações. Mesmo a descoberta do bóson de Higgs, que o autor reconhece como não tendo nenhum impacto direto em nossas vidas, teve consequências indiretas, a tecnologia necessária para fazer a sua descoberta levou à criação do sistema World Wide Web, uma das linguagens usadas na internet.

A obra traz também a história dos principais nomes da física brasileira. Desde a geração de cientistas que surgiu em nosso país na primeira metade do século XIX, como Mario Schenberg, Joaquim Costa Ribeiro, Marcelo Damy de Souza Santos e Sonja Ashauer, até a geração atual, incluindo o matemático Artur Ávila, laureado em 2014 com a Medalha Fields, o “Nobel” da matemática.

Entre diversas histórias, o autor narra como Cesar Lattes, talvez o mais conhecido dos físicos brasileiros, esteve envolvido na descoberta e na primeira produção artificial de partículas subatômicas chamadas mésons-pi, responsáveis por mediar a força que mantém prótons e nêutrons unidos no núcleo de um átomo, e como seu papel foi fundamental para o desenvolvimento da física experimental brasileira. Demais nomes, como o de José Leite Lopes e Jayme Tiomno, também são lembrados e discutidos com maior aprofundamento por Vieira.

Além disso, histórias menos conhecidas da física brasileira são contadas. Por exemplo, a de como uma comunidade de físicos japoneses, no Brasil, ajudou o desenvolvimento da física de partículas no Japão após a Segunda Guerra Mundial.

O livro História da física: artigos, ensaios e resenhas está disponível gratuitamente e pode ser baixado pela internet.

Fonte: CBPF